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segunda-feira, 28 de março de 2011

"Aventura" no RAL 1


RAL 1 - Porta de Armas e Edifício do Comando *



Decidi contar esta “história” depois de ter recebido uma fotografia que me foi enviada pelo então 2º sargento Ramiro, actualmente capitão na reforma, e na qual estão os militares do meu pelotão, durante o período de Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, que precedeu o nosso embarque para Angola.

Quando em Setembro de 1964 me apresentei no RAL 1 fui colocado numa Bateria que era comandada pelo tenente Garcia Leandro, que viria a ter uma bem sucedida carreira político-militar (e agora também escritor, tendo publicado recentemente as memórias do tempo em que foi Governador de Macau), enquanto aguardava a formação do Batalhão.

Alguns camaradas preveniram-me dos cuidados que devia ter porque ele era um militar puro e duro, dos que não toleravam a menor infracção aos regulamentos. Afinal, não era bem assim.

Como sabem os que viveram a tropa naquela época, aos cabos-milicianos (também conhecidos por "sargentos-baratos" por fazerem serviços de sargentos, mas recebendo quinze vezes menos do que estes) quase não era permitido o uso de traje civil e nunca no quartel. Porém, em conversas de caserna, alguns de nós concluímos que no caso de conseguirmos convencer um grupo significativo de camaradas a "esquecer" essa norma, visto que estando a treinar militares mal preparados por uma recruta deficiente, seria muito complicado para a hierarquia aplicar-nos uma punição severa, que iria pôr em causa a formação indispensável ao êxito das operações que nos esperavam em Angola.




 RAL 1 - Casa da Guarda


Não me recordo, hoje, se apenas os cabos-milicianos da minha Companhia – a 738 – aderiram a esta espécie de insubordinação, ou se a adesão foi generalizada a todo o Batalhão. O certo é que passámos a desfardar-nos no nosso alojamento, saindo e entrando calmamente pela porta de armas, mesmo em frente ao edifício do comando.

Em cumprimento do Regulamento o soldado de sentinela na Porta de Armas colocava-se na posição de sentido, como era devido aos sargentos, quando saíamos. Todavia, quando saíamos ou entrávamos no Taunus 17M (último modelo) do Conceição, tínhamos direito a “ombro arma”, situação em que um de nós fazia, com ar displicente e um enorme descaramento, um gesto a mandar descansar.

Aqui faço um parêntesis para explicar que o Conceição era um arquitecto de família abastada, mais velho do que nós 3 ou 4 anos, meio anarquista no comportamento, o que justificava o seu chumbo no Curso de Oficiais Milicianos, em Mafra, pelo que ditou o seu ingresso no contingente dos cabos-milicianos. Acabou por não ir connosco para Angola, tendo trocado com o Rodrigues que já lá tinha feito uma comissão.

A nossa “insubordinação” não passou despercebida e, algum tempo depois, parecendo ter dificuldade em lidar com a situação, o comandante do RAL 1 tenente-coronel (ou coronel?) Bettencourt Rodrigues – mandou publicar em Ordem de Serviço uma recomendação lembrando o que todos sabíamos já, isto é, que os cabos-milicianos não estavam autorizados a trajar à civil, dentro ou fora do quartel, excepto nos casos previstos no RDM. Acrescentava ainda que o desrespeito pela norma seria severamente punido. Fizemos olhos cegos e orelhas moucas ao aviso que, como esperávamos, não teve consequências.

E, agora é altura de voltar ao "terrível" tenente Garcia Leandro. Algumas semanas depois da formação do Batalhão, e já integrado na CArt 738, a escala de serviço determinava que eu entrasse de sargento de dia à Companhia a um domingo. No RAL 1, o render da parada tinha lugar depois do almoço (às 13 ou 14 horas, não estou certo).


RAL 1 - Edifício da messe (meio escondido, o nosso alojamento)


Quando, depois de gozar meio fim-de-semana, cheguei à porta de armas, pouco antes da hora da formatura, trajando à civil e já com pouco tempo para me fardar, o oficial de dia que ia ser rendido encontrava-se a passar revista a militares que iam sair do quartel. Para não dar nas vistas decidi esperar um pouco, procurando entrar discretamente depois da revista. Todavia, como "aquilo" parecia nunca mais acabar, entrei mesmo, tão “camuflado” quanto possível e, colado à Casa da Guarda, passei sem problema.

O problema surgiu quando constatei a falta do meu único par de botas, que tinha levado para engraxar em casa, e que não estava no saco.

No meu alojamento não havia ninguém que me pudesse emprestar umas botas 42 (era fim-de-semana, como já referi). No alojamento dos praças consegui o empréstimo de um par nº 43 (do mal o menos), mas a precisarem de ser engraxadas, operação para a qual já não tive tempo.

Quando cheguei à parada verifiquei que ia entrar de oficial de dia o tenente Leandro, que já olhava para o relógio. Com as botas naquele estado, fiquei sem pinga de sangue, achando que era desta que, apanhado sem a protecção que o grupo nos dava, vinha uma passa” a caminho.


CArt 738 no RAL 1 - 1º pelotão

Não consigo identificar todos os militares. De pé, estão os graduados, Fonseca, Ramiro, Pereira e Nunes da Silva

(Foto enviada pelo sargento Ramiro)


Dirigi-me a ele de imediato e expliquei-lhe que me tinha esquecido das botas em casa, que já não tinha tido tempo para engraxar as que “tinha” de reserva, o que faria de seguida (e fiz) sem me atrasar para o render da parada. O meu estado de espírito não melhorou quando ele me lançou um olhar gelado e me ordenou que voltasse para a formatura.

Terminado o render da parada mandou-me apresentar no gabinete do oficial de dia. Mas, ao contrário do que eu receava atendendo à sua fama, limitou-se a fazer-me um sermão, menos severo do que seria de esperar, dando a entender que o facto de eu ir embarcar para África dentro de semanas, me livrava de um “louvor”, a vermelho, na caderneta.

Funcionou o factor humano. Afinal, o tenente Garcia Leandro, com fama de implacável, também era um homem sensível e sem o coração de pedra que a voz do “povo“ militar lhe atribuía.

E eu nunca mais me esqueci dele.

* O antigo RAL 1, passou a chamar-se RALIS, durante o PREC e, mais tarde, Regimento de Transportes

As fotos do RAL 1  foram "amavelmente" cedidas pelo Google


2 comentários:

  1. O Carlos, olha que logo no principio deste post, referes-te a uma data em 2004 que deve ser 1964, penso eu.
    Tenham um dia feliz e ate amanha.

    V & M

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  2. Tens carradas de razão, David. Já corrigi, mas agora vou despedir a revisora.

    Grato pelo teu olhar atento.

    Carlos Fonseca

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