Dr. Terrinha, em primeiro plano
(Foto "roubada" ao blogue do Batalhão (http://batalhaodeartilharia741.blogspot.com)
No decorrer de um jogo de futebol em Lucunga que teve lugar num dos últimos dias de Julho de 1965, fui rasteirado por um dos tais “três pés” a que me referi anteriormente, e caí violentamente sobre o meu braço direito.
Sentindo fortes dores e receando ter feito uma fractura desloquei-me ao posto médico. Depois de examinar o braço o alferes-médico Dr. Salazar Leite, concluiu que não havia fractura, mas apenas uma contusão.
Todavia, a dor teimava em não desaparecer e, além disso, piorava quando eu tentava fazer qualquer esforço com a mão direita. O Dr. Leite insistia que não havia fractura e parecia que estávamos num beco sem saída.
A situação começava a complicar-se porque (por demais sabia eu como “funcionavam” as coisas nestas circunstâncias) não tardariam as insinuações de que estaria a tentar “baldar-me” às saidas para operações.
Entretanto, no princípio de Agosto – creio que no domingo, 8 – deslocou-se a Lucunga uma delegação da CART 739, aquartelada no Toto, para umas horas de convívio. Como era hábito, houve futebol de manhã, jogo em que por estar lesionado não alinhei, seguido de farto almoço (cozido à portuguesa, nas messes), onde fui dos primeiros a alinhar.
Da comitiva da CArt 739 fazia parte o alferes-médico Dr. António Terrinha que, a pedido do Dr. Leite, examinou o meu pulso não demorando a fazer o seu diagnóstico: eu tinha fracturado um dos ossos do pulso e, na sua opinião, deveria ser evacuado para o Hospital Militar de Luanda para fazer o necessário tratamento.
Quartel do Toto - edifício do comando
(Foto obtida na internet, de autor desconhecido)
Voei para Luanda a bordo de um Nord Atlas da Força Aérea, e depois de radiografado no Hospital Militar confirmou-se o diagnóstico de fractura, tendo acabado por ficar em Luanda quase cinco semanas em tratamento.
Às vezes, quando volto a este assunto, ainda dou por mim a pensar no que teria acontecido se não fosse a providencial visita a Lucunga do pessoal da CArt 739.
Outro episódio em que o Dr. Terrinha voltou a ter um papel relevante, teve lugar um ano depois, em Agosto de 1966, já a CArt 738 estava na Gabela, e eu fui a uma consulta de Oftalmologia a Luanda.
Da Gabela para Luanda consegui boleia evitando fazer a desconfortável viagem no machibombo da carreira, que levava o dia inteiro para fazer o percurso.
Porém, apesar de ter corrido todas as capelinhas onde era hábito “pararem” os gabelenses (ou residentes em localidades próximas) quando iam a Luanda, não consegui encontrar ninguém que fosse para os lados da Gabela ou, ao menos, alguém que me desse boleia até à Quibala. Daí para a Gabela já era mais fácil arranjar transporte.
Desapontado perante a incómoda viagem que me esperava no dia seguinte, entrei na Cervejaria Amazonas para me compensar antecipadamente com um lauto jantar. Ao entrar vi sentado a uma mesa o Dr. António Terrinha com a esposa e os filhos (que, se a memória não me atraiçoa, eram dois). A seu convite ocupei um lugar à mesa e, durante a conversa, acabou por vir a lume a minha “desdita”.
Não me recordo, naturalmente, dos termos exactos da sua proposta. Mas, mais palavra, menos palavra, o que me disse, foi:
“Ó Fonseca eu vou amanhã para o Calulo onde, como sabe, está um pelotão da sua Companhia. Você vai comigo e, para todos os efeitos, está apresentado na sua unidade. Quando chegarmos, o Casimiro - era o alferes comandante do pelotão - manda um rádio para a Gabela a dar conta da sua apresentação. E depois, como todas as semanas há viaturas a circular uma ou duas vezes, entre a Gabela e o Calulo, você chega à Gabela em menos de dois dias.”
“Ó Fonseca eu vou amanhã para o Calulo onde, como sabe, está um pelotão da sua Companhia. Você vai comigo e, para todos os efeitos, está apresentado na sua unidade. Quando chegarmos, o Casimiro - era o alferes comandante do pelotão - manda um rádio para a Gabela a dar conta da sua apresentação. E depois, como todas as semanas há viaturas a circular uma ou duas vezes, entre a Gabela e o Calulo, você chega à Gabela em menos de dois dias.”
Embora o “esquema” não me parecesse muito regular (ainda por cima o comandante de Companhia era o Cap. Carvalho que não morria de amores por mim), a verdade é que eu já estava por tudo para não ter de viajar no machibombo. Não foi, por isso, muito difícil deixar-me convencer. E, aproveitando a boleia, lá fui no dia seguinte para o Calulo, que não conhecia.
Rua do Calulo
(Foto obtida na internet, de autor desconhecido)
E, no fim, os factos deram razão ao Dr. Terrinha. Tudo se passou exactamente como ele previra. Ainda não foi daquela que levei com o “auto das passas”.
Neste texto, mais do que contar duas experiências da minha vida militar em Angola, pretendo evocar e prestar a minha homenagem a um homem bom e generoso, que a morte levou prematuramente.
Era um ser humano com qualidades que o distinguiam entre os seus pares.
Bom e grande Homem e excelente profissional. Era investigador no Instituto Português de Oncologia.
ResponderEliminarNa intimidade tratava-o por priminho, visto ele ser Terrinha e eu Terra. No regresso, no Vera Cruz, o nosso "pequeno almoço" - o verdadeiro era muito cedo - era tomado ao fim da manhã, depois de uma troca de bolas na mesa de ping-pong e de um belo banho, e constava, invariavelmente, de uma ou duas "cubas livres".
Para abrir o apetite...
Sebastião (Terra) Fagundes