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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Uma viagem atribulada


Já referi em textos anteriores, que a “simpatia” que o capitão Carvalho – que foi o 4º e último comandante da CArt 738 – tinha por mim o levava a encarregar-me de todas as missões de serviço que saíssem das habituais rotinas.

Se eu fosse um tipo crédulo ou convencido, poderia acreditar que essas tarefas me eram atribuídas porque envolviam “projectos especiais”, eventualmente de elevada responsabilidade. Não era o caso. A intenção, às vezes conseguida, era mesmo a de me chatear; uma espécie de castigo, com origens que nunca consegui descobrir, porque, em boa verdade, à excepção do episódio que já aqui contei, não houve qualquer ocorrência que justificasse a sua implicância comigo.


Ebo

Foi neste contexto que, mais uma vez, num fim de tarde de uma data que não consigo precisar – algures entre Julho e Outubro – me mandou chamar para me encarregar de um desses serviços “especiais”.

O administrador de posto do Ebo (?) comunicara que um militar do Regimento de Infantaria de Nova Lisboa (RINL), que tinha estado a gozar um período de férias naquela localidade, de onde era natural, não tinha regressado à sua unidade, pelo que resolvera detê-lo na prisão local. A minha tarefa consistia em ir buscá-lo e, sob prisão, conduzi-lo até ao RINL.



Nova Lisboa-Av. 5 de Outubro

Na manhã do dia seguinte, bem cedo, saí da Gabela, com um cabo e dois soldados, além do condutor do Land Rover com destino ao Ebo, onde recolhemos o jovem militar.

A meio da tarde chegámos a Nova Lisboa e, depois de procedermos à entrega do nosso passageiro, e de uma rápida volta pela cidade, que não conhecia (e que incluiu um ligeiro atrito – rapidamente resolvido – com uma patrulha da Polícia Militar), iniciámos o regresso à Gabela.

Alguns quilómetros depois, já a noite tinha caído, parámos no Alto Hama para jantar, desta vez num restaurante, já que a ementa do almoço, tinha constado das vitualhas embaladas na caixa da ração de combate. Despachados os bifes com batatas fritas, ovos estrelados e as indispensáveis Cucas, seguimos viagem.



Alto Hama

Poucas horas depois, o Land Rover deve ter-se sentido cansado e não andou mais. Ficámos algum tempo à espera até aparecer um camião a quem fizemos sinal de paragem. O motorista parou e com uma lanterna – que nós não tínhamos – foi espreitar o motor e ver se podia ajudar.

Quanto à reparação do motor nada pôde fazer; mas ajudou dando boleia a um dos meus companheiros de viagem até Santa Comba, no Colonato da Cela, onde estava aquartelada a CArt 740.

Durante a noite quase todos os condutores dos camiões que iam passando paravam, solidários, procurando ajudar-nos.

No dia seguinte, ao fim da manhã, e depois de uma noite mal dormida, chegaram os camaradas daquela Companhia, que, na impossibilidade de resolverem o problema no local, rebocaram a viatura avariada até Santa Comba.



Colonato da Cela

Há males que vêm por bem. Como a reparação do Land Rover acabou por demorar dois dias, aproveitei por conhecer a localidade e parte do Colonato.

E, numa loja local, que era uma mistura de livraria e discoteca (*), comprei dois discos: o Strangers in the night, do Frank Sinatra, que era (ainda é) um êxito editado nesse ano de 1966, e o Capri c'est fini, do Hervé Vilard, que embora fosse de 1965, continuava muito popular entre a juventude.

Dois dias depois regressei à Gabela. Os discos foram tão bem acolhidos que, tendo andado de mão em mão, entre civis e militares, acabaram por lá ficar, quando, em circunstâncias atribuladas, parti inesperadamente da cidade.


(*) Nota para eventuais leitores mais jovens: nesse tempo as discotecas eram lojas que vendiam discos; os lugares onde nos divertíamos à noite, chamavam-se “boites”.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Porto Amboim



Vista panorâmica de Porto Amboim

Tinha planeado escrever hoje um texto sobre Porto Amboim onde estive durante um mês por troca com o Miranda Dias, que, tendo a profissão de desenhador da construção civil, foi para a Gabela para fazer o projecto para a construção da Casa do Soldado.

Escolhidas as fotografias para ilustrar o post, e chegada a hora de começar a escrever, descubro que o baú da minha memória está quase vazio no que se refere a essa estadia, com a agravante de que tenho consciência de que gostei de lá estar, e de ter sido muito bem recebido por todos os meus camaradas.

Sei que estive lá no tempo do cacimbo (portanto, entre Maio e Outubro de 1966), porque na praia não havia veraneantes durante os meus passeios de fim da tarde, quase diários, na companhia do Fernando Babo.


Porto Amboim - Ponte cais

Em Porto Amboim estava destacado, desde a nossa chegada ao Quanza-Sul, o 4º pelotão da CArt 738, sob o comando do alferes-miliciano Sebastião Fagundes, que tinha como comandantes de secção o segundo-sargento Ramiro, e os furriéis-milicianos Miranda Dias e Fernando Babo.

A localidade era, então, uma pacata vila piscatória onde, de vez em quando, aportavam navios da marinha mercante nacional, que fundeavam ao largo, por falta de cais acostável.

Lembro-me de ter ido, acompanhado pelo alferes Fagundes e pelo furriel Babo (creio que o Ramiro não foi), fazer uma visita de cortesia a uma família que fazia parte dos notáveis locais, constituida por um casal com uma filha ainda jovem, onde nos foi servido um chá, num requintado serviço de fina porcelana. Confesso que, na oportunidade, me teria sabido melhor uma ou duas Cucas fresquinhas.


Porto Amboim - Baía

Não me recordo do nome dessa família. Se não me falha a memória, o dono da casa era filho de um conhecido empresário da província do Quanza-Sul.

Durante essa estadia, durante um jogo de futebol de cinco, tive de sair do campo com uma violenta dor no peito do pé, que eu julgava fruto de algum choque ou entorse, coisa natural durante as incidências do jogo.

O alferes Fagundes sugeriu que fosse à “consulta” de um especialista local – um mulato chamado Quitério - que depois de apalpar o pé concluiu que eu tinha “as linhas do pé trocadas”, mas que ia remediar isso, o que fez massajando repetidamente com uma substância oleosa previamente aquecida.



Porto Amboim - Marginal

Senti algumas melhoras, mas não voltei a jogar durante a minha permanência em Porto Amboim, porque a recuperação foi lenta. O máximo que consegui, foi arbitrar dois ou três jogos, suficientes para perceber que a arbitragem não era a minha vocação, tantas foram as reclamações das equipas. Pelo menos era imparcial, já que errava para os dois lados.

E é tudo. Resta-me a esperança de que o Sebastião Fagundes leia isto, e faça um dos seus habituais comentários, que acabe por valorizar (e justificar) a publicação deste texto.

Ou então (e ainda melhor) que resolva escrever um ou mais textos, tendo Porto Amboim como tema, que terei todo o prazer em publicar. Fica o convite.


Vera Cruz no Cais da Rocha, em 9 de Janeiro de 1965, pouco antes da partida

P.S. - Em 9 de Janeiro de 1965 – completam-se hoje 47 anos – embarcaram no navio Vera Cruz, no Cais da Rocha Conde d' Óbidos, com destino a Angola, três Batalhões e algumas Companhias independentes, totalizando quase 3.000 militares.

Entre eles encontrava-se o Batalhão de Artilharia 741, de que fiz parte.

Nem todos os que embarcaram regressaram connosco, 27 meses depois, porque a morte abreviou a sua ainda curta vida.

Lembrá-los, nunca é demais. É o que faço, hoje, aqui.