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terça-feira, 18 de setembro de 2012

Tragicomédia na Aricanga



Aviso à navegação: Este texto contém expressões que podem ofender algum leitor mais sensível ao vernáculo em que a Língua Portuguesa é rica. Se esse é o seu caso, peço-lhe que termine aqui a sua visita a esta página.

Embora me pareça pouco provável que os três intervenientes no episódio que me proponho narrar venham a ter conhecimento da existência deste blogue (na realidade nem sequer sei se ainda pertencem ao mundo dos vivos), resolvi recriar os seus nomes.

Depois da chegada ao quartel da Gabela, uma boa parte do pessoal foi, pouco a pouco, criando novas amizades com a população local, procurando, preferencialmente, estabelecer um relacionamento mais próximo com residentes do sexo oposto. Não é impunemente que se tem pouco mais de 20 anos, e muito sangue na guelra.


Jardim da Gabela que não existia quando a CArt 738 lá esteve aquartelada. Foi construído em 1969 ou 1970. Ao fundo os célebres morros da Gabela

Ora, nessa busca de aproximação, o nosso camarada “Raimundo”, resolveu um dia fazer uma incursão pelo bairro da Aricanga. Este bairro, situado à saida da cidade, em direcção à Quibala, era um exemplo de harmoniosa convivência inter-racial. Lá residiam negros, embora em minoria, brancos e mulatos. Mas, a referência maior eram as suas mulatas, famosas em toda a região, pela sua beleza.

Quis o acaso que o Raimundo durante a sua deambulação pelo bairro, tivesse conhecido a “Inácia”, uma dessas formosas mulatas. Conversa vai, conversa vem, o Raimundo ficou a saber que a Inácia vivia de casa e pucarinho com o “Luciano” que, sendo camionista de profissão, se ausentava por períodos mais ou menos longos.

Sensível como era, os bons sentimentos do Raimundo levaram-no a oferecer-se, solidariamente, para minorar a solidão da Inácia, fazendo-lhe companhia nos longos serões em que ela ficava sozinha.

Nessas ocasiões, o Raimundo não nos acompanhava, quer nas sessões de cinema, quer nas outras distracções, que, em qualquer dos casos, costumavam terminar no bar Tropical, à volta de umas Cucas, Nocais e de uns petiscos para fazer boca.  Depois de cumprida a sua humanitária missão, o Raimundo vinha ter connosco para apanhar boleia para o quartel.

Com o passar do tempo, o Raimundo passou, com frequência, a fazer companhia à bela mulata até ao inicio do dia, altura em que voltava ao quartel, a pé, atalhando caminho pela sanzala Sétima.

Mas como não há bem que sempre dure, uma noite, finda a sessão de cinema, ficámos espantados quando, à saída, encontrámos o Raimundo à porta, com cara de caso.

Não tardou a contar-nos o que se tinha passado. Algumas vozes malévolas acabaram por soprar aos ouvidos do Luciano o que se passava na sua ausência e, nesse dia, o Luciano despediu-se da Inácia, para, supostamente, iniciar mais uma viagem. Só que a viagem foi mais curta.


Outra imagem da Gabela com os morros em fundo

E, descalços até ao pescoço, o Raimundo e a Inácia foram surprendidos por violentos murros na porta, enquanto ouviam o Luciano aos berros : “Abre a porta, minha puta de merda! Sei bem que estás com um cabrão aí dentro! Vou dar-vos cabo do coirão! Se não abres, arrombo-a com o camião!”

Sem grande alternativa, o Raimundo, que entretanto se tinha vestido, pegou na pistola Walther, que habitualmente nos acompanhava em situações que pudessem envolver algum risco, e foi ele abrir a porta de pistola em punho.

Aberta a porta, o Luciano olhou para o Raimundo, para a pistola, e estendeu a mão, dizendo: “Ah! É o meu furriel? Como está o senhor? Peço desculpa pelo que lhe chamei. O senhor não tem culpa nenhuma que eu tenha escolhido uma puta para viver comigo. É homem, e um homem não desperdiça as oportunidades que lhe aparecem! Mas esta vaca vai ter que ajustar contas comigo!”

Não ajustou, porque o Raimundo depois de ter procurado acalmá-lo – e uma pistola de guerra pode ser uma óptima forma de dissuasão - antes de se vir embora, foi levar a Inácia a casa de uma irmã que residia nas proximidades, sem deixar que o Luciano pusesse as contas em dia.

E, passadas umas semanas, tudo viria a acabar bem. Como, de resto, acontecia de vez em quando por lá (talvez eu venha a contar outro episódio com algumas semelhanças com este, confirmando que, basicamente, o povo era sereno), o Luciano relevou o passo em falso da Inácia e voltaram a viver juntos.

O Raimundo é que nunca mais se aproximou da Aricanga.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

As Sessões Fotográficas


Como já devem ter notado os meus amigos que por aqui vão passando, este blogue encontra-se em regime de serviços mínimos.

Por um lado, porque tenho andado ocupado com outras escritas, por outro, porque tendo optado por contar apenas episódios menos “pesados” da comissão da CArt 738 por terras angolanas, os temas começam a minguar. Se conseguir encontrar o ponto de equilíbrio mais ajustado, escreverei mais duas ou três histórias que tenho em agenda.

Por hoje, vou falar das nossas sessões fotográficas. Em maior ou menor dose – dependendo da disponibilidade financeira de cada um, que as fotos eram carotas, bem como da boa vontade dos proprietários das Kodak (que por acaso eram maioritariamente Canon's, compradas a bordo do Vera Cruz) – ninguém escapava à pose, para mandar para as namoradas, esposas, pais, mães, madrinhas de guerra, etc. etc.

(Clicar nas fotos para aumentar)



Nesta foto, estou no meio do capim, mas na vizinhança do quartel, de espingarda FN em posição de disparo, embora só se veja a ponta do cano, simulando uma situação de combate.

Esta era uma pose clássica, a que quase ninguém escapava.

As fotos dos oficiais da minha Companhia (que embora em situações diferentes também não escaparam às sessões fotográficas) que vão ver a seguir, foram roubadas ao Veterano.




Nem o nosso comandante de Companhia, capitão Rubi Marques, se furtou à pose, junto ao ribeiro que abastecia de água o quartel de Lucunga.

Quando vi esta imagem fiquei surpreendido, por duas razões. Em primeiro lugar porque nunca pensei que ele, militar calejado, também fosse adepto deste tipo de fotos. Depois, porque, não só nunca imaginei vê-lo com uma FN a substituir a pistola Walter, que normalmente usava à cintura, mas também pela posição da FN ao ombro, isto é, “à cowboy”, o que não fazia nada o seu género.

Sem desprimor para nenhum dos comandantes que tive durante a minha carreira (relativamente longa, para um miliciano), pela maioria dos quais nutro grande respeito, o capitão Rubi Marques foi a grande referência da minha vida militar. Um exemplo e uma inspiração, não só para mim, como para a maioria dos meus camaradas. Isso é claramente visível no misto de respeito, carinho e afecto de que se vê rodeado nos nossos convívios anuais, a que só falta por motivos de força maior.



Aqui, o alferes Pereira, comandante do 1º pelotão - que foi o meu durante quase toda a comissão - e que estava de oficial de dia ao quartel, como comprova a braçadeira (vermelha (*), embora aqui não se note) no braço esquerdo.



 


O alferes Morgado, comandante do 2º pelotão, era locutor na Rádio Ribatejo antes de ir para a tropa. Quando havia espectáculos com os artistas que se deslocavam a Angola, e que incluíam a Gabela nos seus roteiros, era sempre ele quem fazia a apresentação em palco.

Foi meu comandante de pelotão, na Gabela, entre Dezembro de 1966 e Fevereiro de 1967.



Alferes Casimiro, comandante do 3º pelotão. Este pelotão depois da transferência para o Quanza-Sul, andou com a “trouxa às costas” de um lado para o outro. Começou por ficar aquartelado na Gabela, mas passado algum tempo foi enviado para Vila Nova de Seles, se bem me lembro para substituir um pelotão da CCS do Batalhão. Mais tarde, em consequência da transferência da CArt 739 para a Região Leste, o pelotão seria colocado no Calulo, onde ficaria até ao fim da comissão.

O alferes Casimiro era (e, tanto quanto sei, continua a ser) um notável intérprete do Fado de Coimbra.



Alferes Fagundes, comandante do 4º pelotão.

Na província do Quanza-Sul, este pelotão foi colocado em Porto Amboim, onde ficou até ao fim da comissão. De trato fácil, foi no quartel desta localidade, onde estive deslocado durante cerca de um mês, por troca com o Miranda Dias, que mais convivi com ele. Curiosamente ele não tem a menor recordação dessa minha estadia. Partidas que a memória nos prega.


Alferes-médico Salazar Leite


(*) Rectificado depois da oportuna chamada de atenção do camarada Silva Pereira, alferes-miliciano da CArt 739