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sábado, 22 de janeiro de 2011

A Caminho de Lucunga




Caxito  (Foto de Luís Boleo)

Na viagem de Luanda para Lucunga (no caso da CArt 738, já que as restantes unidades tinham, outros destinos ), cerca de 500 kms. que demoraram dois dias a percorrer, tivemos como meio de transporte uma coluna de camiões de reabastecimento.

A primeira paragem para desentorpecer as pernas teve lugar no Caxito, a norte de Luanda. À beira da estrada havia um grande número de vendedores de cocos, bananas e outros frutos, que aproveitaram para fazer negócio. Foi a primeira vez que comi coco, e até hoje fiquei freguês de tudo o que seja confeccionado com aquele fruto.

Aproximava-se a hora do almoço em que nos iríamos "deliciar"com a primeira das muitas rações de combate que no futuro nos serviriam de refeição quando, ao  passarmos num local em que a estrada se “afundava” entre duas encostas densamente arborizadas, a coluna parou e todo o pessoal recebeu ordem para fazer uma incursão na mata.  

Ninguém estava à espera desta "mini-batida" e o receio daquele primeiro contacto com o que se julgava ser um ambiente parecido com a realidade que nos esperava, gerou alguns receios. No que diz respeito à minha secção não consegui sequer que a progressão se fizesse de acordo com os manuais (que de resto iriam ser muitas vezes esquecidos ao longo dos 13 meses seguintes, por não estarem adequados à realidade que nos esperava) e o mesmo se passou com a maioria das outras secções. Enquanto comandante de secção devia colocar-me no terceiro lugar da fila, mas a verdade é que não consegui que alguém avançasse à minha frente. Quando eu parava, parava tudo. Pareciam uma ninhada de pintos atrás da mãe-galinha. 

Para que conste: eu também não ia muito à vontade. Acontecia que, nesta, como noutras ocasiões, não podia era mostrá-lo.

Naturalmente, a ideia da entrada na mata não passava de um exercício de ambientação que não oferecia qualquer perigo. Porém, quem é que acreditava nisso? O cenário era um pouco assustador. Mas era só cenário.


Mangueira

A partir de certa altura, a estrada era ladeada por árvores que nos eram desconhecidas. Tratava-se de mangueiras, e o seu fruto, a manga, com um paladar tão especial, conquistou-nos de imediato. Gostei tanto que achei que a manga devia ter feito parte do pomar do Paraíso, e que teria sido com ela, e não com a maçã, que Eva seduziu Adão.  

Ao fim da tarde chegámos à Quibala-Norte, onde iríamos pernoitar. Fomos bem recebidos pela guarnição, que procurou que ficássemos tão confortavelmente instalados quanto era possível, dentro das grandes limitações que eles próprios tinham.


Quibala-Norte

O quartel, constituído por edificações de madeira pré-fabricadas, situava-se num local isolado, que achei pouco aprazível e até um tanto perigoso pelas elevações que o rodeavam.

Retomada a viagem no dia seguinte o que mais me chamou a atenção foi o grande número de sanzalas abandonadas e completamente destruídas. Numa das paragens para distender as pernas e para outros alívios, abordei o assunto com um dos condutores dos camiões, afirmando, num misto de ignorância e ingenuidade, a minha revolta pela destruição "que os sacanas dos turras tinham provocado  na zona, despovoando-a". Para minha surpresa, ele disse-me que a destruição era obra da Força Aérea para evitar que se tornassem abrigos do inimigo, depois de os moradores que não se juntaram aos guerrilheiros terem sido acantonados em sanzalas construídas junto dos aquartelamentos.


Igreja do Toto (Foto de Raul Sanches)

Chegados ao Toto, destino final da CArt 739, as outras unidades do Batalhão separaram-se. A CCS e a CArt 740, seguiram para o Vale do Loge e a Serra da Inga, respectivamente, e nós prosseguimos a viagem para Lucunga.

Parámos pouco tempo no Bembe, onde estava uma Companhia de Caçadores, para nos dessedentarmos com umas Cucas fresquinhas e, poucos  quilómetros depois, chegávamos à Missão do Bembe, onde já não havia missionários. O edifício que eles habitaram durante muitos anos, tinha-se transformado no quartel da Companhia de Caçadores 715, onde os camaradas ali aquartelados nos tinham preparado uma inesperada, mas muito agradável recepção. À nossa espera estava uma longa mesa, posta com os petiscos possíveis naquelas circunstâncias, mais as indispensáveis cervejas, para reconforto dos nossos estômagos, há dois dias a ração de combate.


Missão do Bembe (Foto de Carlos Cristóvão)

A forma hospitaleira como fomos recebidos, marcou-nos profundamente e foi o princípio de uma amizade que, nalguns casos, ainda se mantém. Por exemplo, a foto da Missão que ilustra este texto, foi-me enviada pelo antigo furriel-miliciano Carlos Cristóvão, daquela Companhia.

Duas horas depois, já ao anoitecer, chegámos ao nosso destino.

Ninguém nos tinha avisado das características do "quartel". Na realidade, não havia um quartel propriamente dito. A povoação de Lucunga que estava rodeada por uma vedação de arame farpado, com quatro "torres" de vigia, era o quartel. As moradias da povoação (que tinham sido abandonadas - e muitas destruídas - em Março de 1961), que se estendiam por algumas centenas de metros ao longo da estrada, eram os alojamentos que nos estavam destinados. 

Numa primeira impressão parecia um lugar simpático. Mas, sobre isso espero vir a escrever  no futuro. Afinal, hoje, só queria relatar a nossa viagem...

Nota: As fotos que ilustram este post foram recolhidas na Internet, excepto a da Missão do Bembe. Sempre que identificados, indico os autores.

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