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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Luanda - II


Vista aérea de Luanda na década de 1960

Apesar de toda a informação que procurei obter nos meses que antecederam a  viagem para Angola, Luanda acabou  por me surpreender.

A cidade que conheci durante os poucos dias que antecederam a partida para o Norte, era uma metrópole moderna, com cerca de 500.000 habitantes, parecendo-me um excelente lugar para viver, se se conseguisse ultrapassar o desagradável calor húmido, a que nunca consegui habituar-me.





Piscina e bairro de Alvalade

(É claro que durante esta curta estada, apenas conheci a Luanda dos brancos. Mais tarde, noutras visitas, conheci a outra realidade ao visitar alguns musseques, onde o dia-a-dia dos moradores era substancialmente diferente, fosse qual fosse o ângulo de observação.

É certo que para os que  residiam na cidade "branca" também não era a mesma coisa morar no chique Bairro de Alvalade ou no Bairro Popular, por exemplo.


Bairro Popular

Alguns dos meus camaradas, sobretudo os lisboetas, não eram da mesma opinião, fazendo comparações negativas em relação a Lisboa.  Mas sabemos como nesse tempo os alfacinhas achavam que "Portugal é Lisboa, e o resto é paisagem!" Havia que dar o necessário desconto à sua parcialidade.

Nos dias que antecederam o início da viagem para Lucunga  desforrámo-nos por antecipação, dos longos meses em que iríamos viver longe do conforto e das distracções que a vida citadina proporcionava.

Dos locais que então frequentámos, importa fazer uma referência especial à Cervejaria Portugália, que era uma espécie de ponto de encontro de tudo o que era tropa em Luanda. Quer se tratasse de militares em serviço permanente na cidade, quer se tratasse de pessoal em gozo de férias, em trânsito, ou em consulta externa no Hospital Militar, todo o "mundo" passava pela esplanada da Portugália, que ficava numa espécie de ilha aberta na rua, debaixo de três frondosas árvores, na baixa da cidade. Tal como em visitas futuras, a noite terminava quase sempre lá, com um fino e um prego no pão para aconchegar o estômago antes de recolhermos aos respectivos alojamentos

Costumava mesmo dizer-se, brincando, que a Portugália era a 5ª Repartição do Quartel General (note-se que o Q.G. apenas tinha quatro repartições).


Largo da Portugália (Foto do final dos anos 50)

O local era também muito frequentado por cauteleiros, cujo negócio principal parecia ser, não a venda de lotaria, mas o mercado negro de câmbio de escudos europeus, por escudos angolanos, também conhecidos por angolares. Era uma  transacção lucrativa para ambas as partes, já que nós trocávamos os escudos a um câmbio bem mais favorável do que ao balcão dos bancos  e eles revendiam-nos aos habitantes locais com boa margem de lucro, dada a quase impossibilidade de transferir a moeda angolana para fora do território. (No meu  "baptismo" cambial vendi os escudos com lucro de 20%, mas em Agosto desse ano chegou aos 30%.)

Outros lugares muito frequentados, além da Cervejaria Amazonas - a que já me referi em post anterior - eram também, a Cervejaria Biker, com uma boa sala de bilhares, o Café Polo Norte, o Baleizão - célebre pelos seus excelentes gelados (embora os tais lisboetas achassem que os do Santini, em Cascais, eram muito melhores) - e a Pastelaria Versalhes, que ficava em frente à Portugália, e que era um lugar mais “chique”, frequentado pela "fina flor" da cidade.



Cinema Miramar

As idas ao cinema também faziam  parte do programa. Nunca esqueci a surpresa que tive quando entrei pela primeira vez no Cinema Miramar. Talvez não haja nenhum outro cinema em que o nome corresponda tanto à realidade. A “sala” do cinema era uma enorme esplanada, com uma pala à maneira dos estádios de futebol e com uma vista deslumbrante sobre a baía. Na área envolvente havia um grande jardim.

Em Luanda, nas deslocações mais longas, utilizávamos o táxi. No percurso para o Cinema Miramar, um dos passageiros era o Rodrigues, que era já veterano na cidade. Ao passarmos num largo - que mais tarde vim a saber que era o Largo dos Lusíadas - reparei num edifício que me chamou a atenção pelas suas dimensões e perguntei-lhe: 
"- É pá, o que é aquilo?"
"- É o palácio da hortaliça", respondeu ele.
Perplexo, repeti em voz alta: "palácio da hortaliça?!!!"
Então, o motorista esclareceu : "O seu colega está a brincar consigo. Aquele edifício é o mercado de Kinaxixe!"
Não estava mal achado. Nunca tinha visto um mercado com linhas tão modernistas.


Largo dos Lusíadas e Av. dos Combatentes (à esqª, em 1º plano, o Mercado do Kinaxixe)

Havia outros cinemas, mais ou menos modernos: o Alvalade, que ficava no Bairro com o mesmo nome, era também muito confortável. Tinha a particularidade de ter uma espécie de painéis laterais amovíveis, que abriam ou fechavam de acordo com as condições do tempo. O Restauração, que era um clássico, onde além do cinema, também havia teatro e, pelo menos uma vez por semana, tinha lugar um popular programa de rádio que se chamava, salvo erro, "Chá das Seis", que era transmitido em directo, e onde actuavam os mais famosos artistas da época.

Cinema Restauração (Foto do final dos anos 50)

Nesses dias só não conseguimos ir à praia. O dia era passado no Campo Militar do Grafanil, donde saíamos ao fim da tarde. Só viria a conhecer a ilha de Luanda e as suas praias, em Agosto, altura em que os luandenses não as frequentavam. Era o tempo do cacimbo. Muito frio diziam eles. Não para mim, habituado às águas frias da Figueira da Foz, de Carcavelos ou da Praia Grande, em Sintra.

Estes dias em Luanda, que foram quase de férias, passaram depressa. Seguiu-se a viagem de cerca de 500 kms. Mas esse é tema para outra ocasião.

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