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quarta-feira, 23 de março de 2011

A Terapeuta

A leitura deste texto publicado pelo "Veterano" no blogue do Batalhão, recordou-me um episódio que situo em Maio de 1965, no qual tive um papel de "relevo", e que à luz dos regulamentos militares poderia ter-me causado sérios amargos de boca, sob a forma de uma exemplar punição disciplinar.


Lagoa do Toto

Numa das deslocações ao Toto para reabastecimento em que fui mais uma vez responsável pela segurança da coluna, veio ter comigo um camarada da CArt 739 dizendo-me que uma rapariga que estava hospedada no “Hotel” do Adão há uma semana, no desempenho da sua actividade profissional, que definirei como “técnicas de terapias sexuais avançadas”, estava interessada, se eu quisesse dar-lhe transporte, em deslocar-se até Lucunga a fim de dar assistência, no âmbito da sua especialidade, aos militares da CArt 738 que estivessem interessados.

Comecei por recusar. Mas depois, pensando melhor (ou pior, depende do ponto de vista), achei que talvez a “coisa” tivesse algum interesse. Não havendo nenhum estabelecimento hoteleiro em Lucunga onde a senhora ficasse alojada, o problema tinha, contudo, solução. Um dos quartos da nossa casa estava temporariamente desocupado porque o Mário Abreu estava de férias, e o outro ocupante tinha sido transferido para outra unidade. Logo, ela podia dormir lá. Se os meus colegas de alojamento discordassem, do que eu, conhecendo-os, duvidava, estava certo de que o comerciante Sr. Santos, resolveria a questão.

As refeições podiam constituir outro entrave. Mas achei que não havia problema em lhas trazer da messe. Afinal, onde comiam vinte podiam comer vinte e um.

Quanto ao local onde exerceria a sua actividade profissional, não faltavam casas devolutas. O edifício onde tinha funcionado a delegação da Junta de Estradas de Angola discretamente situado já à saída de Lucunga, no sentido da Damba, parecia ideal. E foi.

Acompanhei o meu camarada até ao hotel para conhecer a “Lisette”. Apareceu-me uma rapariga loira, bonita e simpática, que dizia ter 28 anos, embora parecesse ter já passado dos 30. Confirmado o seu interesse, expliquei-lhe as condições que a esperavam e ficou acertada a partida, para quando eu regressasse do comando do Batalhão, no Vale do Loge.


A "minha" casa em Lucunga

A chegada a Lucunga foi um acontecimento. Apesar de eu ter feito uma paragem discreta na casa onde ela iria ficar, localizada à entrada da localidade, para a deixar instalada sem alarido, a novidade correu como fogo num campo de trigo seco, com quase toda a gente a querer conhecer a visitante.

Entretanto, fui falar com o oficial que substituía o comandante de Companhia, ausente. Estupefacto, olhava para mim, sem saber bem o que fazer. Acabou por me dizer qualquer coisa no género: “Vamos lá a ver no que é que isto vai dar”!

A visita da “Lisette” acabou por ser um sucesso. É certo que uma reduzida parte do pessoal não recorreu aos seus préstimos. Mas os que compareceram nas “sessões de trabalho” na casa da Junta das Estradas, ficaram tão satisfeitos que muitos repetiram, com inegável benefício para as duas partes. Era visível a satisfação, e até a moral daqueles jovens, isolados no mato há tantos meses, parecia estar em alta.

Por deferência para com os oficiais e sargentos que o desejassem – e também aqui apenas dois ou três não estiveram interessados – a "Lisette" deslocou-se aos respectivos alojamentos, onde tinham lugar as sessões de terapia.

Como é natural, um acontecimento desta natureza não podia fugir ao conhecimento do comandante de Companhia, no seu regresso. Ele nunca falou comigo sobre o assunto, mas segundo as notícias que me chegaram, estaria decidido a levantar autos aos infractores, que forçosamente conduziriam a processos disciplinares com as consequências inerentes. Perante os factos, eu não escaparia a sentir na pele todo o rigor que o RDM previa para estes casos.


Porém, rapidamente o nosso capitão desistiu de qualquer procedimento disciplinar. Se, como era norma, todos os militares punidos fossem transferidos, ele ia ficar sem pelo menos dois terços de efectivos na Companhia. Iria funcionar como? E o alarido que isso não ia levantar nas outras unidades? Acabou por não haver consequências, além da descompostura que alguns oficiais terão ouvido.






Varanda da Flórida
Convívio com militares da CCaç 715

Não termino o meu relato, sem contar outra “historinha”, dentro desta história.

Um dos nossos camaradas – o “Mendonça” -, homem de fortes convicções, não só morais, mas também religiosas, passou os dias daquela semana dividido entre a obediência às referidas convicções, por um lado, e o aguilhão do desejo, por outro.

Compadecido, o furriel “Penas” arquitectou uma solução, contando para isso com a cumplicidade da “Lisette”.

Quase todos os dias, ao fim da tarde, se juntava um grupo na espaçosa varanda da Flórida, que servia de residência a alguns furriéis e sargentos, onde se ia beberricando enquanto se conversava. Num dos últimos dias da sua permanência, a nossa hóspede apareceu nessa tertúlia, aproximou-se do “Mendonça”, puxou-o da cadeira por um braço e conduziu-o para o interior da residência, piscando um olho ao “Penas”.

Poucos minutos tinham passado quando voltaram a sair. O “Mendonça” com o ar enfiado de quem tinha de se confessar na primeira oportunidade; a “Lisette” com o ar de quem tinha levado a barca a bom porto.


P.S. - Os nomes colocados entre "  " são fictícios.









2 comentários:

  1. Caro Fonseca!

    Mais um retoque. A sua dúvida em relação à data tem toda a razão de ser. Este episódio passou-se durante as minhas férias em Novembro/Dezembro de 65. A ausência do comandante de companhia teve a ver com a sua substituição/promoçâo que já reportou. O episódio foi-me relatado porque, quando regressei de férias, fui encontrar no móvel em que guardava a minha roupa, provas evidentes e pouco higiénicas da actividade da "terapeuta". É claro que houve uma tremenda discussão entre mim e o outro alferes que partilhava o quarto comigo (e o utilizara abusivamente) e uma desinfecção, à maneira, do referido móvel. Só não chegámos a vias de facto porque prevaleceu o raciocínio e, se calhar, porque as férias me tinham feito muito bem ...
    Tem-se referido, várias vezes, à postura disciplinar do então capitão Rubi Marques.Estou convicto de que, com a sua presença, o episódio não teria acontecido. Mas percebo-o...

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  2. Caro Fagundes (Anónimo que, entretanto, se identificou por outra via),

    Eu não tenho a certeza de qual foi a data exacta em que os factos aconteceram. Ao situá-los em Maio de 1965, tive em conta que nesse mês, ou pelo menos em parte dele, o cap. Rubi Marques esteve ausente. Por outro lado, durante boa parte do mês de Novembro também estive ausente, em gozo de férias. E, a não ser que a confusão na minha memória seja muita (e se calhar é), julgo que a promoção e transferência tiveram lugar no início de 1966. Parece-me, igualmente, que a apreensão que muitos de nós tinhamos relativamente à reacção do nosso capitão, se baseava no facto de o conhecermos bem.

    Talvez ele leia estes comentários e possa esclarecer-nos.

    Quanto à sua reacção, não me surpreende. Aconteceu algo semelhante com o Abreu quando voltou e viu que a "hóspede" não só tinha ficado no quarto dele, embora noutra cama, mas que também o tinha usado para atender os residentes alojados na moradia e que recorreram aos seus préstimos.

    Também não tenho dúvida nenhuma de que, se o capitão Rubi Marques não estivesse ausente, eu não teria o atrevimento de levar a senhora. Não era maluco a esse ponto.

    Posto o que antecede, admito que a razão esteja do seu lado. Quarenta e cinco anos é muito tempo, e talvez tenha sido ousadia da minha parte ter-me abalançado a escrever sobre acontecimentos tão longínquos, baseando-me, essencialmente, na minha memória

    Corrija sempre que achar oportuno.

    Um abraço

    Carlos Fonseca

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