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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A Boleia do Chico Nazaré


Quibala

(Foto de autor desconhecido)

Depois de ter gozado dez dias de férias em Luanda, regressei à Gabela faz hoje 45 anos.

O transporte público entre a Gabela e Luanda consistia numa carreira diária de autocarro, que além de demorar muitas horas, era extremamente desconfortável.

Na véspera da viagem para Luanda, procurei encontrar alguém que estivesse para fazer a viagem e me desse boleia. Não consegui, mas, para minha surpresa, quando no Café Central perguntei se alguém iria viajar no dia seguinte, o Sr. Barradas, proprietário de um stand de máquinas agrícolas (creio que também vendia automóveis, mas não tenho a certeza), pegou nas chaves e nos documentos do seu carro e estendeu-mos, pondo-o à minha disposição.

Não aceitando, embora, a oferta, não deixou de me sensibilizar a disponibilidade demonstrada por alguém que conhecia socialmente, mas com quem não tinha grande proximidade.

No dia seguinte fui no jeep que todas as quintas-feiras ia até à Quibala levar o correio militar. A Quibala era uma espécie de entroncamento rodoviário, e foi fácil conseguir uma boleia até Luanda.


Ilha de Luanda

(Foto de Ivo Cardoso)

Na véspera do meu regresso, corri as capelinhas em Luanda, de novo à procura de uma boleia. Tive mais sorte do que dez dias antes; pouco depois de iniciar a busca encontrei o gabelense Chico Nazaré, filho de um comerciante que acumulava com o cultivo de café, e que se prontificou a dar-me boleia, combinando o encontro para o dia seguinte às 14 horas, no Hotel Katekero, onde estava hospedado.

Compareci à hora marcada, mas do Chico nem sinal. O recepcionista informou-me que ele tinha regressado tarde na noite anterior, e que tinha pedido para o acordarem precisamente às 14 horas.

Meia hora depois desceu e convidou-me para ir comer qualquer coisa, para depois seguirmos.

Depois de comer chamou um táxi. E quando lhe perguntei onde tinha o carro, riu-se e respondeu que o tinha no Aeroporto. Ainda pensei que ele tivesse acabado lá a noite, no bar e, depois de bem bebido, tivesse voltado para o hotel de táxi, mas depois lembrei-me que ele tinha um pequeno avião, com o qual tinha disputado e ganho a Volta Aérea a Angola desse ano.



Luanda - Hotel Katekero

(Foto de autor desconhecido)

Chegados ao Aeroporto, lá estava o avião pronto para a viagem, que à excepção dos minutos que antecederam a aterragem, correu bem.

Sobrevoámos a reserva da Quiçama, onde ele desceu até uma altura que me deixou um bocado apreensivo, para que eu visse a fauna que ali abundava, mas que acabava por debandar espavorida com o barulho do motor.

Com o dia a avançar, e em África anoitece cedo e quase bruscamente, sem aquele anoitecer lento a que estamos habituados, ele receava que não fosse possível aterrar na Gabela por causa dos densos nevoeiros que cobriam a cidade com frequência. A alternativa era descermos em Porto Amboim, o que não me importava nada, já que aproveitava para abraçar os meus camaradas que ali estavam aquartelados.

Mas o dia estava suficientemente claro, e, depois de sobrevoar a cidade por duas vezes, dando sinal para o pai mandar uma viatura ao aeródromo, entreteve-se a dar umas cambalhotas, com o intuito de me fazer vomitar tudo o que eu tivesse no estômago. Ao pé daquilo, a montanha russa era uma brincadeira de meninos. Não conseguiu, todavia, os seus desígnios; fazendo das tripas coração, aguentei-me, não sei bem como, até o avião se imobilizar na pista. Mas ainda não estava bem parado e já eu saltava e corria para junto do hangar onde acabei por vomitar.


Gungas e Zebras na Reserva da Quiçama

(Foto de Ana Tendinha)

De qualquer forma, o Chico disse-me que eu tinha passado a prova.

Desta viagem tirei duas conclusões. Angola era mesmo um lugar especial. Em que lugar deste nosso Portugal poderia eu esperar, ainda por cima nessa época, que alguém com quem tinha relações meramente circunstanciais, pusesse o seu automóvel à minha disposição, ou que me desse uma boleia de avião?

Mas não deixei de ter um desapontamento nesse dia de S. Martinho: corri toda a cidade, mas não consegui encontrar uma loja onde houvesse castanhas à venda.

Lá se foi o projectado magusto às malvas!

2 comentários:

  1. Caro Carlos Fonseca:
    Para além dos parabéns que lhe quero, antes de tudo, dar por mais um excelente postal, gostaria de confirmar um ou dois pormenores referentes a Quibala. Julgo que passei por lá não mais do que duas vezes, razão pela qual não tenho qualquer lembrança da localidade. Recordo-me apenas de que havia um velho forte, construído numa eminência rochosa e de que a guarnição da altura era o Pelotão do Alferes Gaspar, da 740. Estarei enganado quanto a este último pormenor? E, por favor confirme-me se a foto que colocou terá, eventualmente, sido tirada do tal aquartelamento fortificado.
    Antecipadamente grato e um abraço do
    Silva Pereira

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  2. Caro Silva Pereira,

    Também eu já não me lembro muito da Quibala, apesar de lá ter ido uma ou duas vezes levar o correio, e de lá ter passado meia dúzia de vezes, tendo chegado a almoçar lá, num restaurante da beira da estrada.

    O pelotão que lá estava era, de facto, da CArt 740, aquartelada em Santa Comba, no Colonato da Cela, mas não me recordo se era o pelotão do alferes Amaro, pelo que não lhe posso ser útil neste particular.

    A foto foi realmente tirada do Forte da Quibala, do qual ainda se vê uma parte da rocha, em primeiro plano.

    Curiosamente hesitei se devia colocar uma foto do Forte, mas acabei por escolher outra.

    Reservo a do Forte para ilustrar outro texto (se tiver interesse nisso, envio-lha por e-mail).

    Grato pelos seus generosos parabéns, deixo o meu abraço amigo.

    Carlos Fonseca

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