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terça-feira, 1 de novembro de 2011

As Fotos do António Passarinho - II (ou o 1º sargento Ramalho)


Desde que escrevi em textos anteriores que o capitão Carvalho não perdia uma oportunidade de me “premiar” encarregando-me do cumprimento das tarefas extraordinárias, e quase nunca agradáveis, que iam surgindo, que tinha a intenção de trazer ao blogue o nosso 1º Ramalho, que julgo ter estado na origem das manifestações de “simpatia” do comandante da Companhia para comigo.

O 1º sargento Ramalho aparece duas vezes em duas das fotografias que o António Passarinho me mandou, cuja publicação iniciei no último post, o que me serve de pretexto para escrever sobre ele.

Em Outubro de 1965, vim de férias à Metrópole, como então era designado o Portugal europeu nos territórios ultramarinos. Duas ou três semanas antes da viagem, o 1º Ramalho perguntou-me se eu não me importava de trazer uma lembrança para a filha (pré-adolescente à época), que residia com a mãe algures no Alentejo, fazendo-a seguir por via postal a partir de Lisboa.


Em Lucunga, na messe de sargentos, com militares de outra Companhia (CCaç.715?)
Apenas identifico o 1º sargento Ramalho, à esquerda, em 2º plano, o 2º sargento Ruas, à cabeceira da mesa, o Passarinho, de pé, por trás do Ruas, o 2º sargento Ramiro, à esquerda do Ruas. Na mesa mais próxima do fotógrafo, o civil que olha para a objectiva é o comerciante Santos. Na mesa do fundo, do lado direito, a olhar para o lado, está o furriel-miliciano Azevedo.
(Identificações obtidas com a ajuda do alferes-miliciano Fagundes e do furriel-miliciano Morais Soares, a quem agradeço)

Respondi que não me importava, desde que a “lembrança” respeitasse duas condições: que não fosse muito volumosa, porque a minha mala de viagem era de tamanho médio, e eu próprio queria comprar lembranças em Luanda, além de trazer parte da roupa civil, que tinha levado e que não me fazia lá falta; e que não fosse muito pesada, porque só tinha direito a 20 kgs. de bagagem, no avião.

Poucos dias antes de eu viajar, e sem termos voltado a falar no assunto (eu até pensava que ele tinha desistido), mandou o 1º cabo escriturário, Ismael ao meu quarto, com a “lembrança”, que consistia num pacote com um tapete decorativo, que ocupava três quartos do espaço da mala.

Mandei o tapete de volta, com o recado de que a “lembrança” não correspondia às condições combinadas. Se o nosso 1º a quisesse substituir por outra de dimensões e peso mais razoáveis, tudo bem; se não, nada feito.

Nem o Ismael voltou, nem o 1º Ramalho voltou a falar na encomenda.


Em Lucunga, na messe 
A contar da esquerda, sentados: 1º sargento Ramalho, 2º sargento Ruas, 2º sargento Ferreira da Silva, furriel-milº Morais Soares e 2º sargento Ramiro; de pé: Passarinho e Daniel

Não falou, mas não se esqueceu. As nossas relações que nunca tinham sido propriamente amistosas, pioraram, embora sem atritos visíveis por terceiros.

De qualquer modo, durante o comando dos dois primeiros substitutos do Capitão Rubi Marques - o capitão Hélio Nunes Xavier, primeiro, e o tenente Simões da Silva, depois, com os quais tive um bom relacionamento - não tive motivos para supor que ele tivesse procurado influenciá-los negativamente em relação a mim.


Pouco depois da chegada do capitão Carvalho, apercebi-me de que o novo comandante estava de pé atrás no que me dizia respeito, sem que eu percebesse porquê.

Como todos os meus camaradas, eu tinha tarefas diárias no quartel, que cumpria, como sempre tinha feito. Além de fazer os serviços da escala (sargento de dia à unidade e sargento da guarda), dava, todos os dias úteis, aulas regimentais aos militares que não tinham completado a 4ª classe. Nos últimos dois meses tive o importante apoio do director da escola primária local, onde, com aproveitamento, acabariam por fazer exame.

Complementarmente, era monitor de desporto da Companhia, tarefa que não me absorvia muito tempo. No essencial, tinha de fazer um relatório mensal das actividades desportivas, que seguia para o Batalhão, onde julgo que ninguém o lia.

Não via, por isso, razão para a secura com que o novo comandante me falava. Até que um dos meus camaradas me disse que tomasse cuidado, porque o 1º Ramalho andava a “emprenhar o capitão pelos ouvidos”.

Nesse segundo ano de comissão, foram poucos os camaradas que vieram de férias à Metrópole. Alguns, para pouparem, não foram para parte nenhuma e ficaram na Gabela, continuando alojados no quartel, sem qualquer problema.

Também era normal a antecipação da apresentação, por conveniência de entrar numa determinada ordem (mais favorável) na escala de serviço.

Em 1 de Novembro de 1966, entrei de férias, tendo viajado para Luanda, onde fiquei 10 dias, findos os quais regressei à Gabela, onde cheguei na tarde do dia 11. O resto das férias seriam passadas em casa de familiares que residiam numa fazenda a 15 Kms. da cidade, mas nessa noite fiquei no quartel, dado o adiantado da hora.


Em Lucunga, na messe (Convívio com camaradas da CCaç 715)
Em primeiro plano, à esquerda, o furriel-milº Miranda Dias, a seguir (?), de camisa branca o furriel-milº Sousa, ao fundo, a meter algo na boca, o furriel-milº Mourão (?), furriel-milº Fonseca, furriel-milº Carvalho (CCaç 715), e mais perto da objectiva, o furriel-milº Vaz; ao fundo de pé, o Passarinho;

No dia seguinte, depois do pequeno almoço, o 1º Ramalho veio ter comigo dizendo-me que o comandante não me autorizava a ficar alojado no quartel, por estar de férias. Disse-lhe que não iria ficar, mas perguntei por que razão outros podiam e eu não. Respondeu que não sabia e que eram ordens do comandante.

Três dias antes do fim do mês, interrompi as férias, entrando de serviço no dia seguinte, o que me deixaria livre na passagem do ano. Fui ao render da guarda, entrei de sargento de dia, e qual não foi o meu espanto, quando, estando na secretaria a conversar com o Nunes da Silva, já perto do meio-dia, entra o 1º sargento, que me disse que tinha ido falar com o comandante, e que este decidira que eu não podia interromper as férias, pelo que também não podia estar de serviço. Todavia, fazia-me o favor de me deixar ficar a dormir no quartel.

Deu-me uma fúria, tirei a pistola do coldre, peguei-lhe pelo cano e, se não fosse o Nunes da Silva e o 1º cabo escriturário agarrarem-me, tinha-lhe dado uma coronhada na cabeça, tal era a minha raiva.

Acabei por abandonar o quartel, só voltei no fim da licença, e mais convencido fiquei da sua influência negativa (bem como da sua má consciência), quando constatei que do meu gesto impensado e grave não tinham resultado quaisquer consequências.

Depois de regressarmos, só encontrei o 1º Ramalho uma vez, em Lisboa, na Praça do Comércio. Estava colocado numa repartição do Ministério do Exército, e falou-me como se fôssemos amigos, sugerindo que, como eu trabalhava ali próximo, nos encontrássemos para almoçar. Deu-me, então, o seu contacto telefónico, que nunca utilizei.

3 comentários:

  1. Amigo Fonseca!

    Aqui vão alguns retoques na primeira fotografia:

    1- O primeiro à direita não é militar. É o sr. Santos, cantineiro, caçador e que foi guia em algumas operações. Terá pertencido à PIDE. Há referências a ele, noutros blogues, que levantam esta hipótese. Que ele sabia da vida civil de alguns de nós, não tenho dúvidas. Ficará para conversas nossas...talvez num almoço em Santarém ou num petisco em Lisboa ou no "seu" Algarve

    2- Na mesa, à direita, parece-me o furriel Azevedo.

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  2. O comentário sobre a prmeira fotografia é meu.

    Sebastião Fagundes

    As minhas desculpas por não me ter identificado.

    Gostava de ter o seu contacto telefónico.

    Um abraço.

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  3. Caro Fagundes,

    Não se identificou, mas não me foi difícil, mesmo antes do seu segundo comentário, identificá-lo. O seu texto não deixa margem para grandes dúvidas.

    O Morais Soares, num telefonema que fez há poucos dias, já me tinha dito que achava que era o Santos. Agora veio a sua confirmação, com o brinde do Azevedo, que nem percebo bem como me passou.

    Quanto ao que se dizia do Santos, as versões variavam: ora era informador da PIDE, ora tinha negócios com o pessoal da mata.

    Li no blogue da CCaç 106 as estranhas circunstâncias em que o Santos desapareceu na mata.

    Para o caso de não ter lido, transcrevo aqui parte do texto:

    "(...) Essa actividade, de resto, viria a mostrar-se fatal, já que foi durante a fase final da “campanha” (junho/julho), que o sr. Santos acabaria por desaparecer, sem deixar rasto.

    Fizemos várias operações de busca, com bastantes efectivos, numa zona que conhecíamos com algum pormenor, até porque ao longo da comissão tinhamos feito várias operações na área (pessoalmente estive por lá numa altura em que o rio, devido ás chuvas, tinha transbordado, obrigando-nos a andar vários dias, com água que, em determinados locais, nos chegava ao peito, sempre com o receio de ter algum encontro menos agradável, com algum “alfaiate”). Encontrámos a carrinha que usava ( se não estou em erro, uma Bedford, verde, de caixa aberta) mas dele e dos três ou quatro trabalhadores que o acompanhavam, nem sinais. (...)"

    Vou mandar-lhe o meu contacto telefónico por "e-mail".

    Grato pela ajuda, fica o meu abraço.

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