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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Coronel José Francisco Soares


Coronel José Francisco Soares

(Foto de Veterano)


Passou ontem um ano sobre a data da morte do coronel José Francisco Soares, que foi, sucessivamente, segundo-comandante, ainda com o posto de major, e, já tenente-coronel, comandante do Batalhão de Artilharia 741.


Na ausência do tenente-coronel Cabrita Gil, que na altura exercia as funções de segundo-comandante de um Batalhão colocado em Zala – à época uma das zonas operacionais mais difíceis e perigosas do Norte de Angola – coube ao então major Soares a árdua tarefa de coordenar o treino operacional dos militares do BArt 741, durante os meses que antecederam o nosso embarque.


Dadas as muito diferentes funções e postos que tínhamos no Batalhão, não tive um relacionamento próximo com ele, quer antes de embarcarmos, quer durante a permanência do comando no Vale do Loge.


No entanto, não pude deixar de registar que, nos contactos que mantinha com os militares do Batalhão, independentemente da sua graduação, vinham ao de cima os valores humanistas que marcavam a sua forma de estar. Como sabem os que, pelo menos nesse tempo, fizeram o serviço militar, essa não era a prática corrente dos oficiais superiores.

Para não tornar demasiado longo este texto, vou aqui deixar dois dos episódios em que fui interveniente, e que de alguma forma ilustram o que acima escrevi.


De uma das vezes em que me desloquei em serviço a Novo Redondo, onde se situava a sede do Batalhão, sentei-me numa esplanada daquela cidade acompanhado por dois furriéis da CCS, e enquanto iamos conversando sobre “a chuva e o bom tempo”, aproveitámos para beber uns “finos”, antes de eu regressar à Gabela.


A dada altura vimos o tenente-coronel Soares que se aproximava do lugar onde estávamos. Depois de nos levantarmos e de fazermos a saudação da ordem, mandou-nos sentar e sentou-se também na nossa mesa, ficando connosco, numa conversa amena, enquanto esperava pela esposa, que se encontrava num cabeleireiro, localizado em frente.

Quantos oficiais com o seu posto e responsabilidades de comando eram capazes de um gesto semelhante? 


Alguns meses mais tarde, o comando do Batalhão foi transferido para o Lobito, quase de um dia para o outro. Não podendo o quartel de Novo Redondo ficar desocupado, foi decidido que a minha Companhia enviaria para lá um pequeno destacamento (cerca de 20 militares), enquanto o comando da Companhia não se mudasse para lá. Claro que, como sempre acontecia quando apareciam estes serviços extraordinários (e não era prémio, embora neste caso tenha sido, se bem que involuntário), lá fui eu comandar esse pequeno grupo.


Durante a nossa estadia, cerca de metade do pessoal estava ocupado com o serviço de funcionamento do quartel. Para que os outros não ficassem sem fazer nada, resolvi que o melhor seria levá-los para a praia, que ficava a 300 ou 400 metros do quartel, e dar-lhes instrução (de banhos marinhos e de muito trabalho para o bronze).

Num desses dias, a meio da manhã, estava eu a nadar quando ouço alguém a chamar-me e, quando olho, vejo à beira da água o motorista do tenente-coronel Soares, dizendo que o comandante estava à minha espera na Marginal, junto ao Land-Rover, depois de ter ido ao quartel e de lhe terem dito que eu estava na praia.

Lá vim eu a correr e a escorrer água, enquanto ia engrolando uma justificação qualquer, que o nosso comandante não se mostrou interessado em ouvir. O que ele pretendia era que eu assinasse a guia de marcha, comprovando que “o Exmo. Comandante passou por esta unidade”. O que fiz em cima do capot. E ele seguiu viagem, desejando-me “boa praia”, com um sorriso.

Não creio que houvesse muitos, pelo menos dos que conheci, que no seu lugar se tivessem mostrado tão tolerantes.



Que descanse em paz, este Homem bom!



P.S. - Na altura da sua morte, o Veterano homenageou o nosso comandante com um texto que pode ser lido aqui.

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