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terça-feira, 7 de junho de 2011

A Caminho da Gabela


Luanda - Cruzamento do Polo Norte

Quando iniciei este blogue, não tinha intenção de seguir uma ordem cronológica, semelhante à que nos habituámos a ver num diário (que nunca tive). Verifico, porém, que à excepção do post em que falo da inauguração da Casa do Soldado no quartel da Gabela, tenho contado, sobretudo, episódios que tiveram lugar em Lucunga.

Chegou a altura de dedicar mais atenção às histórias da Gabela (e arredores).

Tanto quanto me recordo, foi com surpresa que recebi (creio que no princípio de 1966), a notícia de que o nosso Batalhão iria ser transferido para o distrito do Quanza-Sul, onde o Comando ficaria instalado na capital da província – Novo Redondo, que passou a chamar-se Sumbe depois de 1975, a CArt 738 na Gabela, a Cart 739 no Calulo e a Cart 740 em Santa Comba (Colonato da Cela), que actualmente se chama Waku Kungo.


Forte da Quibala

A minha surpresa - e a de outros camaradas -, baseava-se no facto de se saber que o comando do Batalhão tinha proposto que a haver mudança, esta se fizesse para outra região da ZIN (Zona de Intervenção Norte), onde oficiais e sargentos continuariam a receber um subsídio de risco no valor de 20% sobre a retribuição mensal, além de terem direito a alojamento e alimentação, o que não acontecia se fossemos (como fomos) para uma zona sem guerra.

Toda a gente sabia que para muitos militares as comissões de serviço em África constituiam uma forma de fazer um razoável pé-de-meia, e no Norte de Angola quem estava no comando dos Batalhões corria um risco diminuto, em comparação com as unidades operacionais. Isso ajuda a explicar a proposta para que continuássemos em zona de guerra.


Vista panorâmica do Colonato da Cela

Com o que o comando não contava era que, em Lisboa, o pai de um dos oficiais tivesse influência bastante para colocar o Batalhão numa zona calma, onde a família do filho se lhe pudesse juntar. Mas foi o que aconteceu.

A generalidade do pessoal recebeu a notícia da mudança para o Sul com enorme alegria. Tanto eu, como os camaradas que me estavam mais próximos ficámos radiantes. Embora pudessemos ter feito algumas poupanças, preferíamos, de longe, a segurança a maiores proveitos.

Se a memória não me atraiçoa, saímos de Lucunga, na sexta-feira, 18 de Fevereiro, e chegámos nesse dia à noite a Luanda, onde ficámos até segunda-feira, 21.

A maior parte do pessoal não tinha voltado à cidade desde que em Janeiro do ano anterior tinhamos partido para Lucunga. Os oficiais e sargentos tinham direito a cinco dias de licença de três em três meses (que no nosso caso dava quase sempre uma semana, jogando com os horários das ligações aéreas), mas nem todos aproveitavam, devido ao custo das viagens e da estadia.




Alexandre (CArt 740) e Fonseca, na Fortaleza de S. Miguel 
(Ao fundo a baía de Luanda)

O fim-de-semana que ali passámos, foi aproveitado para matar saudades das mordomias que uma cidade evoluida como Luanda já era então, proporcionava.

Desta vez não se falou na obrigatoriedade de permanecer no Grafanil. Tinhamos mudado de comandante de Companhia, que era, então, o capitão de Infantaria Hélio Xavier (que, segundo notícias que tive recentemente vive, de boa saúde, em Lagos, onde se dedica à pintura). Era um homem de trato agradável, mais flexível em questões de disciplina do que estávamos habituados, e, embora os princípios instituidos pelo capitão Rubi Marques se mantivessem (felizmente), o dia-a-dia era mais distendido.


Quibala-Sul

Fiquei, como das últimas vezes, no familiar e acessível Hotel Luso.

Aproveitámos para o circuito do costume: cinemas, cervejarias, “boites”, etc. A ocasião serviu também para eu fazer contas e pagar o que devia na Papelaria/Livraria da Marechal Carmona, que durante a minha permanência em Lucunga me enviava “A Bola” (que acabava desfeita depois de passar por tantas mãos), bem como os livros que ia encomendando.

Recarregadas as baterias, a longa coluna partiu, rumo ao Quanza-Sul, na manhã de 21. A CArt 739 foi a primeira a abandonar a coluna, por alturas de Munenga, para seguir em direcção ao Calulo, onde ficaria aquartelada. As restantes unidades seguiram até à Quibala-Sul, onde teria lugar o almoço.


Rua da Gabela, com a Igreja de Santa Isabel, ao fundo

Aqui, é a oportunidade para o relato de um episódio que, na altura, eu e muitos dos meus camaradas mais próximos achámos que era um exemplo de sovinice.

Apesar de nos ter sido fornecido o almoço, em forma de ração de combate (de que estávamos fartos e que detestávamos), uma grande parte do pessoal miliciano abancou nos restaurantes, almoçando e pagando uma refeição feita na hora. Para minha surpresa e dos que me acompanhavam, ao passarmos na zona que dava acesso à sala de refeições do restaurante que escolhemos, constatámos que uma grande parte dos oficiais da CCS e do comando do Batalhão – incluindo os “altos comandos” -, apesar de auferir retribuições muito superiores às nossas, tinha abancado nas mesas do café, alimentando-se com as rações de combate que tinham sido distribuidas.

Mais tarde percebi que era apenas mais uma forma de fazer poupanças. Já bastava a diminuição dos rendimentos, que tinha começado nessa mesma data.

Depois do almoço deu-se nova divisão na coluna. A Cart 740 prosseguiu viagem pela estrada Luanda/Nova Lisboa, até Santa Comba, o seu destino final, enquanto o comando do Batalhão, a CCS e a Cart 738, desviavam para a estrada que levaria atè à Gabela e a Novo Redondo.


Vista panorâmica de Porto Amboim

Perto do fim da tarde chegámos à Gabela, onde se instalaram três pelotões da CArt 738. O 4º pelotão, sob o comando do alferes-miliciano Sebastião Fagundes, prosseguiu viagem para Porto Amboim (com uma praia fantástica), onde ficaria até ao fim da comissão, enquanto o comando de Batalhão e a CCS, continuaram até Novo Redondo, onde permaneceram até Dezembro desse ano, altura em que mudaram para o Lobito.

As razões, bem como as peripécias dessa mudança, ficam para outra ocasião.


3 comentários:

  1. Caro Carlos Fonseca:

    O facto de, há bastante tempo, não vir escrevendo com a regularidade que a mim próprio impus em tempos idos, não significa que o não visite no seu blogue. Sempre que posso por lá apareço a ler os seus excelentes postais.

    Este “A Caminho da Gabela” motivou uma busca grande ao baú das memórias, para concluir, com alguma estupefacção, que são pouquíssimas as lembranças desta deslocação. Uma outra busca, desta vez ao álbum de fotografias resultou absolutamente infrutífera: não possuo nenhuma foto do período em causa!

    A avaliar pelo que escreve, a CArt 739 ter-se-á juntado à vossa coluna, quando saiu do Tôto. Poderá corrigir-me, se assim não foi? Dessa altura, curiosamente, apenas me recordo da preocupação em tentar ouvir, na Rádio, algumas canções – nos célebres programas de discos pedidos - que uma das “visitas regulares” do Tôto, quiçá já com algumas saudades, terá prometido dedicar-nos. Que me lembre, porém, nem isso aconteceu.

    Depois, foi como se tivesse adormecido e apenas houvesse acordado quando, ao fim da tarde de um qualquer dia, cheguei ao Mussende. A “branca” é completa! Não me recordo rigorosamente de nada!

    Valeu o seu postal, Caro Fonseca, para preencher um vazio no álbum das lembranças. Não é a única “branca”. Outras há cuja falta vou colmatando através das conversas durante os nossos encontros anuais. E, agora, com os seus interessantes postais.

    Um abraço do

    VETERANO

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  2. Caro Veterano,

    Os blogues acabam por cansar um pouco, sobretudo quando nos falta o eco do que escrevemos. Sabemos pelas estatísticas do blogue (ou pelo sitemeter, que não uso) que vamos tendo leitores, mas não sabemos o que pensam e isso é, por vezes, desmotivador.

    Por outro lado, a obrigação de produzir textos com uma certa periodicidade, também acaba por produzir alguns bloqueios (aquilo a que os escritores chamam “o bloqueio da folha em branco”). Comigo acontece com frequência, sobretudo na forma de dar a “primeira cavadela”. Depois do primeiro buraco feito, a coisa anda. Bem ou mal, isso já é outra história.

    Acontece ainda que nos blogues que têm por objectivo escrever sobre episódios ocorridos num período tão curto – pouco mais de dois anos, nos nossos casos – o “material” de trabalho não dura indefinidamente. E quando não há colaboração externa, seja pelo envio de ideias, de textos, ou de fotos, a partir de certa altura falta a matéria prima.

    Em todo o caso vejo que vai tendo actividade no “Alfena da Liberdade”, que vou seguindo.

    Quanto às “brancas”, seja bem-vindo, camarada.

    Imagine que, embora me lembre perfeitamente de que foi o meu companheiro de quarto em Lucunga, esqueci-me completamente de quem me aturou na Gabela. Não faço a menor ideia.

    Além de outros esquecimentos. Por exemplo: quem foi substituir o 3º pelotão da Cart 738, em Seles, quando em Junho eles foram para o Calulo? Terá sido um pelotão da CCS? E Mussende, ficou sem guarnição?

    Em 1966 passei um mês em Porto Amboim, por troca com o Miranda Dias. Recordo três ou quatro episódios de todos esse mês. E os outros?

    Tanto quanto me lembro, todas as unidades do Batalhão se juntaram no Tôto, tendo a viagem para Luanda sido feita em conjunto.

    Procuro não me preocupar com estas falhas de memória. E não me fazendo feliz, há quem se lembre ainda de menos coisas. No encontro deste ano, estava eu a recordar episódios com o Sebastião Fagundes e, a assistir estava o José Pereira, que na maior parte das nossas histórias, só dizia: “Mas isso aconteceu mesmo? E eu estava lá? Não me lembro.”

    Às vezes as fotos ajudam, como sabe. Da nossa longa viagem do Norte para o Quanza-Sul só tenho meia dúzia, tiradas em Luanda com camaradas de outras Companhias, do Batalhão. Acredita que me esqueci da maior parte dos nomes deles?

    Grato pelo estímulo, deixo-lhe um abraço.

    Carlos Fonseca

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  3. Isto não foi um comentário. Foi mais um testamento.

    Haja pachorra para me ler!!!!

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