Como tive oportunidade de escrever neste texto o reabastecimento da CArt 738 tinha lugar duas vezes por semana – habitualmente às terças e quintas-feiras - no Toto, a cerca de 70 kms. de Lucunga. Por vezes o Nord Atlas, avião com grande capacidade de carga (uma espécie de C-130 da actualidade), voava para o Toto à sexta-feira em vez de quinta e, consequentemente, também a coluna fazia a deslocação nesse dia.
Nord Atlas (vulgarmente apelidado de "Barriga de Ginguba")
Como consta no referido texto, a deslocação incluía, frequentemente, uma viagem até ao comando do Batalhão, no Vale do Loge.
As más condições das vias de comunicação, bem como a decrepitude do parque de viaturas da Companhia, tornavam as viagens demoradas e cansativas. E o mau estado das picadas a que às vezes chamávamos “estradas” piorava substancialmente durante a estação das chuvas. Nesta época, era frequente a imobilização das viaturas, que derrapavam, só parando quando Deus era servido, ou que, atoladas na lama - e não estando equipadas com guinchos na sua maioria – só depois de porfiados esforços de todos, ora empurrando, ora colocando ramos e troncos de árvores ou outros materiais que tivéssemos à mão debaixo das rodas, voltavam a reiniciar a marcha.
Na CArt 738, grande parte dos veículos que recebemos da Companhia que nos antecedeu estavam imobilizados (as peças de alguns eram utilizadas na reparação de avarias dos que ainda circulavam), além de serem quase todos herança da II Grande Guerra. (Em meados de 1965 recebemos Unimog's novos, quase todos equipados com guinchos, que vieram alterar completamente a situação).
Na sexta-feira 16 de Abril 1965, antevéspera da Páscoa, calhou-me comandar a escolta da pequena coluna de reabastecimento constituída por um velho “jipão” e um camião GMC, da mesma época.
GMC (em mau estado, como a foto, recolhida na Internet)
Esta viagem foi uma das que incluíram um salto ao Vale do Loge. A “estrada” entre o Toto e o Vale do Loge oferecia condições razoáveis se o piso estivesse seco, sobretudo quando comparada com o resto do percurso.
Porém, a meio do caminho de regresso ao Toto começou a cair uma chuva diluviana que em breve transformou o caminho num rio, obrigando os condutores a diminuírem a velocidade. Talvez por isso, o motor do “jipão” começou a dar sinais de sobreaquecimento, pelo que o condutor estacionou a fim de verificar o nível do líquido do radiador. Todavia, descuidado, não esperou que o líquido arrefecesse e, ainda mal tinha tirado a tampa, um jacto de de água fervente saiu do radiador, levando-o a descontrolar-se e a deixar cair a referida tampa, que foi arrastada pela corrente que se formara.
Pouco tempo depois, e como também era habitual naquelas paragens, a chuva parou e o sol voltou. Da tampa do radiador é que não houve mais rasto, apesar das buscas intensivas que fizemos.
Como é evidente, dadas as circunstâncias, o “jipão” não podia prosseguir a viagem. Foi decidido então fazer seguir a GMC com parte do pessoal para o Toto para pedir ajuda, ficando a outra parte de guarda ao veículo imobilizado.
O tal "jipão" (aqui a arrefecer numa pausa de uma caçada)
Da esq. para a dta.: Nunes da Silva, sold.-condutor Tavares (?), Morgado, João Palhares (?), Fonseca e (?)
Algum tempo depois, chegou uma viatura do PAD (Pelotão de Apoio Directo), que rebocou o “jipão” para o Toto. Entretanto, a CArt 739, aquartelada naquela localidade, já tinha enviado um rádio para Lucunga comunicando a situação.
Passados tantos anos não me recordo dos pormenores, mas não terá sido fácil resolver o problema que só ficou solucionado no dia seguinte, sábado, já tarde, pelo que só partimos para Lucunga no dia 18, bem cedo.
Era domingo de Páscoa, como já ficou escrito, e alguém teve a ideia (ao que parece pouco feliz, como se vai ver) de entrar em Lucunga comemorando, da forma possível, a data. Assim, parámos pouco antes do quartel, e cortámos ramos de palmeira que foram colocados nas viaturas formando arcos, e entrámos no quartel gritando : “Hossana! Hossana! O Senhor ressuscitou!”
De uma maneira geral, o pessoal achou piada. Quem não achou graça nenhuma foi o capitão Rubi Marques.
E lá veio a reprimenda da ordem, com o aviso de que “aquilo” não era um circo.
Mas, pelo menos, não houve “auto das passas”. Talvez tivesse funcionado o espírito pascal.
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