Aviso à navegação: Este texto contém expressões que podem ofender algum
leitor mais sensível ao vernáculo em que a Língua Portuguesa é
rica. Se esse é o seu caso, peço-lhe que termine aqui a sua visita
a esta página.
Embora
me pareça pouco provável que os três intervenientes no episódio
que me proponho narrar venham a ter conhecimento da existência deste
blogue (na realidade nem sequer sei se ainda pertencem ao mundo dos
vivos), resolvi recriar os seus nomes.
Depois
da chegada ao quartel da Gabela, uma boa parte do pessoal foi, pouco
a pouco, criando novas amizades com a população local, procurando,
preferencialmente, estabelecer um relacionamento mais próximo com
residentes do sexo oposto. Não é impunemente que se tem pouco mais
de 20 anos, e muito sangue na guelra.
Jardim da Gabela que não existia quando a CArt 738 lá esteve aquartelada. Foi construído em 1969 ou 1970. Ao fundo os célebres morros da Gabela
Ora,
nessa busca de aproximação, o nosso camarada “Raimundo”,
resolveu um dia fazer uma incursão pelo bairro da Aricanga. Este
bairro, situado à saida da cidade, em direcção à Quibala, era um
exemplo de harmoniosa convivência inter-racial. Lá residiam negros,
embora em minoria, brancos e mulatos. Mas, a referência maior eram
as suas mulatas, famosas em toda a região, pela sua beleza.
Quis
o acaso que o Raimundo durante a sua deambulação pelo bairro,
tivesse conhecido a “Inácia”, uma dessas formosas mulatas.
Conversa vai, conversa vem, o Raimundo ficou a saber que a Inácia
vivia de casa e pucarinho com o “Luciano” que, sendo camionista
de profissão, se ausentava por períodos mais ou menos longos.
Sensível
como era, os bons sentimentos do Raimundo levaram-no a oferecer-se,
solidariamente, para minorar a solidão da Inácia, fazendo-lhe
companhia nos longos serões em que ela ficava sozinha.
Nessas
ocasiões, o Raimundo não nos acompanhava, quer nas sessões de
cinema, quer nas outras distracções, que, em qualquer dos casos,
costumavam terminar no bar Tropical, à volta de umas Cucas, Nocais e
de uns petiscos para fazer boca. Depois de cumprida a sua humanitária missão, o Raimundo vinha ter connosco para apanhar boleia
para o quartel.
Com
o passar do tempo, o Raimundo passou, com frequência, a fazer
companhia à bela mulata até ao inicio do dia, altura em que voltava
ao quartel, a pé, atalhando caminho pela sanzala Sétima.
Mas
como não há bem que sempre dure, uma noite, finda a sessão de
cinema, ficámos espantados quando, à saída, encontrámos o
Raimundo à porta, com cara de caso.
Não
tardou a contar-nos o que se tinha passado. Algumas vozes malévolas
acabaram por soprar aos ouvidos do Luciano o que se passava na sua
ausência e, nesse dia, o Luciano despediu-se da Inácia, para,
supostamente, iniciar mais uma viagem. Só que a viagem foi mais
curta.
Outra imagem da Gabela com os morros em fundo
E,
descalços até ao pescoço, o Raimundo e a Inácia foram
surprendidos por violentos murros na porta, enquanto ouviam o Luciano
aos berros : “Abre a porta, minha puta de merda! Sei bem que estás
com um cabrão aí dentro! Vou dar-vos cabo do coirão! Se não
abres, arrombo-a com o camião!”
Sem
grande alternativa, o Raimundo, que entretanto se tinha vestido,
pegou na pistola Walther, que habitualmente nos acompanhava em
situações que pudessem envolver algum risco, e foi ele abrir a
porta de pistola em punho.
Aberta
a porta, o Luciano olhou para o Raimundo, para a pistola, e estendeu
a mão, dizendo: “Ah! É o meu furriel? Como está o senhor? Peço
desculpa pelo que lhe chamei. O senhor não tem culpa nenhuma que eu
tenha escolhido uma puta para viver comigo. É homem, e um homem não
desperdiça as oportunidades que lhe aparecem! Mas esta vaca vai ter
que ajustar contas comigo!”
Não
ajustou, porque o Raimundo depois de ter procurado acalmá-lo – e
uma pistola de guerra pode ser uma óptima forma de dissuasão -
antes de se vir embora, foi levar a Inácia a casa de uma irmã que
residia nas proximidades, sem deixar que o Luciano pusesse as contas
em dia.
E,
passadas umas semanas, tudo viria a acabar bem. Como, de resto,
acontecia de vez em quando por lá (talvez eu venha a contar outro
episódio com algumas semelhanças com este, confirmando que,
basicamente, o povo era sereno), o Luciano relevou o passo em falso
da Inácia e voltaram a viver juntos.
O
Raimundo é que nunca mais se aproximou da Aricanga.
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