Na impossibilidade de conseguir um vídeo da cerimónia de 1968, escolhi um do ano anterior
No
rascunho do post que intitulei “O Acidente (Conclusão)”, incluí dois parágrafos, em que
me referia a um camarada em recuperação no Anexo do Hospital
Militar, que me tinha impressionado particularmente, quer pelos
motivos que o “atiraram” para ali, quer pela forma positiva e bem
humorada como parecia superar um “calvário” que
provocaria em muitos outros uma profunda depressão.
Depois
de reler o que tinha escrito, concluí que o texto estava demasiado
extenso (li, algures, que há estudos que concluem que a maioria dos
que visitam blogues, gostam de textos curtos), pelo que resolvi
retirar os parágrafos relativos ao Carlos Rios, sem, todavia,
desistir de voltar ao tema.
É
o que faço hoje, regressando ao assunto de forma um pouco mais
exaustiva, relativamente, ao que tinha escrito então.
No
post acima mencionado referi, de modo genérico, as mazelas de
que todos sofriam, embora em diferentes graus. Ninguém se queixava
muito, nem, talvez por uma peculiar forma de defesa, era hábito
falar, e muito menos aprofundar, as circunstâncias em que cada um
tinha ganho as suas “feridas”, algumas para o resto da
vida.
Do
Rios, soube, quando cheguei ao Anexo de Campolide, em Março de 1967,
que tinha ficado gravemente ferido em combate, na Guiné, mas sem
quaisquer pormenores adicionais. Era mais um, e, apesar das notórias
dificuldades físicas – andava com o auxílio de canadianas e não
conseguia dobrar a cintura, pelo que se, por exemplo, se desatasse um
atacador dos sapatos, precisava de ajuda – não me parecia um caso
tão grave como os de muitos outros internados.
Em
1968, já eu tinha passado à disponibilidade há alguns meses,
estando a assistir à transmissão das cerimónias do 10 de Junho, na
Praça do Comércio, ouço, com surpresa, o locutor anunciar que o
furriel-miliciano Carlos Luís Martins Rios ia ser condecorado com a
Cruz de Guerra de 1ª classe, por feitos heróicos em combate. E lá
estava ele, a receber a condecoração.
Parecia-me
inacreditável, que, estando durante quase um ano todos os dias
juntos, saindo do Anexo de Campolide às 14 horas, e continuando o
grupo de que ambos fazíamos parte a conviver durante a tarde, ora
nas sessões cinematográficas, ora no salão de bilhar do antigo
Café Martinho, ele não nos tivesse dito uma palavra sobre a
condecoração.
No
dia seguinte liguei para o Anexo tentando falar com ele, mas não o
apanhei. Porém, um dos camaradas contou-me a saga do Rios, que vim a
confirmar mais tarde, com outro companheiro desses tempos.
No
decorrer de uma patrulha, ao aproximarem-se de uma tabanca, o Rios
avistou um elemento em fuga, pelo que, sem sequer pensar, correu em
sua perseguição, não contando com uma emboscada ardilosamente
montada pelas forças inimigas, que, disparando diversas rajadas, o
atingiram, provocando-lhe uma perfuração no ventre, e
destruindo-lhe alguns ossos da bacia.
Ferido
com gravidade foi transportado num helicóptero para o Hospital em
Bissau, onde, apesar de um diagnóstico pessimista, foi possível
estabilizá-lo, e recuperá-lo de forma a permitir a sua evacuação
para Lisboa.
Tendo
resolvido escrever um texto mais elaborado, fiz algumas pesquisas
sobre o Rios. Fiquei a saber que em virtude das muitas intervenções
cirúrgicas a que foi submetido, continuou no Anexo de Campolide, e
mais tarde no Depósito de Indisponíveis, no Largo da Graça – às
vezes em condições humilhantes, segundo ele próprio diz – até
1972.
E,
hoje, em vez do jovem, aparentemente bem disposto e sempre com uma
oportuna piada na ponta da língua, capaz de pôr uma plateia a rir,
com um comentário a uma cena de um qualquer filme, sei de um homem
aparentemente amargurado, “surdo e coxo”, como ele próprio se
classifica num comentário que fez, neste blogue.
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