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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O Acidente - Parte I


Novo Redondo (Sumbe) - Av. Marginal 

Nada fazia prever que aquela sexta-feira, 3 de Fevereiro de 1967, seria diferente de todas as outras que tinha passado na Gabela. Até a viagem em serviço a Novo Redondo (para onde tinha sido deslocado o comando da CArt 738 há cerca de dois meses) programada para a parte da tarde, era rotineira.

Durante a nossa permanência na Gabela muitos dos meus camaradas aproveitaram para obter a carta de condução na escola local, de que o Sr. Bernardes era proprietário e instrutor. Também eu segui essa prática, tendo o meu exame, que teria lugar nesta cidade, sido marcado para o dia 10 desse mês de Fevereiro, em hora a definir.

Aproveitei a deslocação a Novo Redondo para (depois de cumpridas as diligências no quartel) me encontrar numa esplanada da cidade com o examinador, a fim de combinarmos a hora em que lhe convinha fazer o exame, enquanto bebíamos uma Cuca, acompanhados pelos três militares que me acompanharam na deslocação.

Acertada a hora, despedimo-nos e metemos rodas ao caminho.


As salinas ao abandono

Pouco depois, já na estrada, os meus companheiros de viagem começaram a meter-se comigo, insinuando que eu não sabia conduzir e que iria chumbar no exame, de nada me valendo as duas cervejas que tinha pago ao examinador. Fui dando troco no mesmo tom aligeirado, até que a certa altura, "provocado" pelo condutor que me desafiava a provar que dominava o volante, fiz a tolice de acabar por ceder ao desafio e"saltei" para o lugar dele, mas dizendo-lhe que ia conduzir só até às salinas. Nos 30 ou 40 quilómetros que distavam das salinas, o caminho era plano, com poucas curvas, e foi percorrido sem qualquer problema.

Chegados às salinas, onde começava a subida para a Gabela através de um percurso sinuoso, parei, perguntando tolamente se estavam satisfeitos. O condutor - que era o Pinóquio - secundado pelos outros, disse que até ali era fácil; a subir o morro é que se via quem tinha unhas. E eu, confirmando o ataque de tolice, continuei a conduzir.

Interrompo aqui a narrativa para esclarecer que depois de termos ido para a Gabela, nunca tinha conduzido uma viatura militar (nem civil, de resto, se exceptuar o Volkswagen da escola de condução, sempre com o Bernardes ao lado). Em Lucunga, quase todos os furriéis – eu incluído – faziam uma perninha ao volante, durante as madrugadas em que estavam de ronda (que incluía acelerar na “pista” de aviação com a emocionante curva no fim da “pista”).


O jeep do desastre ainda inteiro (e eu também)

Quando já estávamos perto da Gabela, pouco antes do desvio para a Boa Entrada, ao sair de uma curva seguida de contra-curva, a viatura entrou em derrapagem no areão que havia na estrada, aproximou-se da berma, enquanto eu procurava pôr em prática os ensinamentos do instrutor de forma a mantê-la na faixa de rodagem. Nunca saberei se o conseguiria ou não, porque o Pinóquio, assustado com o declive que tínhamos do lado direito, deitou as mãos ao volante e torceu-o para a esquerda.

É a última coisa de que me recordo até ter acordado deitado na berma da estrada, com os três a chorarem à minha volta, convencidos de que eu estava morto.

Não sei quanto tempo estive inanimado, mas depois de recuperar os sentidos, vi logo que, embora vivo, estava em muito mau estado. O meu pulso esquerdo fazia um ângulo recto; entre o nariz e o lábio superior tinha um buraco por onde se viam os dentes; o nariz estava partido; na testa tinha um buraco; na perna esquerda tinha um extensa ferida; finalmente, todo o corpo ia ficando negro.

Os outros, à excepção do João Magro, que tinha um pequeno ferimento na cabeça, apenas tinham algumas nódoas negras e um ou outro arranhão.

No meio da estrada, o jeep – que felizmente tinha a capota colocada, o que provavelmente nos salvou a vida – estava virado com as quatro rodas no ar e parecia semi-destruído. Embora na altura não fosse o que mais interessava, percebi logo que estava metido em sarilhos. O jeep, antigo, tinha sido objecto de uma reconstrução no Agrupamento de Material, em Luanda (ASMA), que incluiu pintura, motor, caixa de velocidades, estofos e capota, novos.

Algum tempo depois – a estrada não tinha muito movimento – apareceu um Volkswagen, cujo condutor parou e me conduziu, bem como ao João Magro, para o Hospital da CADA, na Boa Entrada, onde nos foram prestados os primeiros socorros.

O João nem precisou de trabalho de “costura”. A mim, porém, além da colocação de talas provisórias no braço, coseram, sem anestesia, os estragos no rosto. Confesso que com as dores que então já sentia, as picadas da agulha e o fio a passar não fizeram grande mossa.


Hospital da CADA

Acabado o tratamento de emergência, que incluiu sedativos que pouco efeito fizeram, fui transportado para o meu quarto no quartel. Dado o meu estado deplorável,  teria de ser evacuado para o Hospital Militar de Luanda por via aérea, mas àquela hora, com a noite a cair, não havia visibilidade suficiente na pista para as manobras necessárias, pelo que a evacuação apenas teria lugar na manhã do dia seguinte.

As dores não me deixaram dormir durante toda a noite mas, provavelmente, mesmo sem dores não conseguiria dormir, preocupado com as consequências do sarilho em que me tinha metido.

Como em quase tudo na vida, há um aspecto positivo que, neste caso, quero realçar: a solidariedade de uma grande parte da população da cidade que, ao longo da noite, passou pelo meu quarto, interessando-se pelo meu estado e fazendo votos de rápida recuperação.

Apesar de ter uma relação cordial com muitos dos habitantes, não esperava uma manifestação solidária tão significativa, que nunca esquecerei. Foi uma boa surpresa.


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