Avião da DTA a levantar voo no Aeroporto de Luanda
Muitos militares mobilizados para Angola – sobretudo oficiais e sargentos (neste caso, sobretudo milicianos, que os sargentos do quadro, geralmente já com responsabilidades familiares, queriam fazer poupanças) – aproveitavam os 30 dias de férias anuais para, pelo menos uma vez durante a comissão, viajar para Portugal, a fim de matarem saudades de familiares, namoradas, madrinhas de guerra e amigos, não necessariamente por esta ordem.
Havia uma agência em Luanda – a Confabril, do Grupo CUF – que se especializou na venda de passagens, com facilidades de pagamento, e onde quase todos comprávamos as nossas viagens.
Quem vinha de férias para o “puto”, gozava sempre mais do que os 30 dias da ordem, porque o período de licença começava a contar na data do embarque em Luanda, terminando, se a memória não me falha, no dia em que desembarcava no mesmo Aeroporto. O tempo da viagem desde o quartel até Luanda, e a estadia naquela cidade até ao embarque, não contavam.
Quem queria gozar mais uns dias em Luanda, marcava as férias de forma a que o período entre a data da chegada a Luanda do voo de ligação da DTA, que fazia as rotas internas, e a data do embarque para Lisboa, fosse o mais dilatado possível. Este truque também funcionava aquando do regresso, claro.
Quando a escala de férias das Companhias era mais “apertada”, a artimanha era outra, só funcionava no regresso de férias, e custava dinheiro.
Toda a gente, ou quase toda, sabia que adiantando umas notas ao funcionário certo da DTA (e se fossem notas do Banco de Portugal, em vez das do Banco de Angola, melhor), ele punha um carimbo no passaporte indicando que o voo onde o interessado pretendia viajar estava esgotado. Porém, o tal funcionário só aceitava entrar neste esquema uma única vez por viajante.
Nota do Banco de Angola
Vem esta introdução a propósito de um episódio vivido, em Setembro de 1965, pelos alferes Pereira e Salazar Leite (médico), e pelo furriel Vaz, que regressaram de férias no mesmo voo, e que deviam viajar no avião da DTA, para o Toto (de onde seguiriam para Lucunga por via rodoviária) no dia seguinte ao da chegada a Luanda.
Como queriam ficar mais uns dias em Luanda (os voos para o Toto realizavam-se à terça e quinta-feira), avançaram com a quantia “tabelada” para o bolso do funcionário, e viram averbado o desejado carimbo, que lhes dava uns dias de férias extra.
Na véspera do embarque, que já não podiam falhar, despediram-se da animada noite de Luanda, regressando ao Hotel Luso, onde estavam hospedados, já os relógios marcavam três horas da madrugada, tendo, no entanto, o cuidado de pedir ao funcionário da recepção - o sempre prestável Manuel – que os acordasse às seis horas em ponto (e mesmo assim tinham que se apressar). Para não perderem tempo pela manhã, tomaram duche e vestiram a farda com que seguiriam viagem, antes de se deitarem. De manhã, era só lavar os olhos ainda ensonados, e ala para o Aeroporto.
O primeiro a acordar, que já não me lembro qual foi, ficou varado quando olhou para o relógio e viu que eram seis horas e vinte minutos. Foi acordar os outros, desceram à recepção, onde o Manuel dormia o sono dos justos, deram-lhe uma descasca rápida, que não havia tempo a perder, e meteram-se num táxi para o Aeroporto, de onde o avião havia de descolar, às sete horas.
E descolou, que eles ainda o viram a ganhar altura, quando sairam do táxi.
O pequeno avião estacionado na pista do Aeroporto de Luanda poderia ser o táxi aéreo referido neste texto
Conhecendo o comandante de Companhia – capitão Rubi Marques – que já devia estar fulo por não se terem apresentado na data devida, não faltou muito para entrarem em pânico. Sobretudo o alferes Pereira e o furriel Vaz; o alferes-médico Salazar Leite, embora também estivesse preocupado, talvez fosse o mais calmo por “beneficiar" de um estatuto especial. E foi ele quem sugeriu que alugassem um táxi aéreo, que os levaria directamente até à pista de Lucunga.
Embora cientes de que a sua bolsa levaria um rombo significativo, quer o furriel Vaz, quer o alferes Pereira, concordaram que era a melhor solução. E lá seguiram num pequeno teco-teco de quatro lugares, que aterraria em Lucunga cerca de duas horas mais tarde.
Mas nem o avultado “prejuizo” dos três acalmou o capitão Rubi Marques, que os presenteou com uma monumental descompostura (talvez também com a ameaça do célebre "auto das passas"), como só ele era capaz de proporcionar quando tinha que descascar em alguém.
Nota final: Esta “estória” - de que todos tivemos conhecimento, na altura em que aconteceu – foi-me contada pormenorizadamente mais tarde, quer pelo furriel Vaz, quer pelo alferes Pereira, em ocasiões diferentes. Prometi que a contaria aqui. Infelizmente não cumpri a promessa a tempo de ser lida pelo Vaz. E lamento-o. Não por ele não a ter lido, que não perdeu grande coisa, mas por nos ter deixado tão prematuramente.
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