Pesquisar neste blogue

domingo, 31 de julho de 2011

As Emboscadas

Em primeiro plano, o autor do blogue; No jeep, o furriel-miliciano mecânico Sousa e o soldado clarim do 2º pelotão, Gomes

Segundo uma nota que escrevi no verso, esta fotografia foi tirada pouco depois de eu ter regressado de uma emboscada. Não tenho mais pormenores. Não sei, por isso, nem a data, nem as circunstâncias da operação em causa.

Tenho o cabelo cortado curto, como usei sempre durante o tempo que estive em Lucunga, e há um detalhe na foto que me intriga: que diabo fazia a caneta (ou esferográfica) que se vê no bolso esquerdo da camisa, numa emboscada? Será que levei um bloco e aproveitei o longo tempo de inacção para pôr a escrita em dia? É uma dúvida que não vai ter solução.

A fotografia deve ter sido feita nos primeiros meses da nossa permanência em Lucunga, porque nela aparece a bandeira nacional, hasteada, mas não mostra o “monumento” da Companhia que entretanto foi construido, e que devia aparecer neste enquadramento.

As emboscadas, em que procurávamos surpreender o inimigo, tinham uma duração que variava de um até quatro dias, e eram uma estopada de todo o tamanho, sobretudo quando tinham uma duração superior a um dia. Ficávamos ali, quietos, em silêncio, ou se necessário falando num murmúrio, a comer ração de combate (excepto se ficássemos apenas um dia, caso em que levávamos sanduíches feitas com meio pão casqueiro, para cada refeição – quase sempre com atum -, que era também a ementa para batidas de curta duração), com água racionada, já que não tínhamos como reabastecer os cantis, numa espera enervante pela chegada de “convidados” que, na maior parte das vezes, tinham a “deselegância” de não comparecer ao encontro.

A primeira emboscada que fizemos, pouco depois da chegada a Lucunga, envolveu todo o pelotão (mais tarde houve ocasiões, em que a operação envolvia apenas uma secção), e ainda hoje estou convencido de que não havia previsão de passagem de nenhum grupo adverso. Aquela primeira noite que passámos na mata, destinar-se-ia antes a uma espécie de habituação ao meio. Penso que poucos terão pregado olho; e os que dormiram, acordaram sobressaltados durante a madrugada, com um tiro disparado por um dos camaradas que estava de guarda. Alarme falso: ele deve ter-se assustado com a aproximação de algum animal, que tomou por um “turra” (para usar a terminologia da época).




Jangada do rio Coji
(Cortesia do antigo furriel-miliciano da CCaç 1495,  Jorge Isidoro)

Com o passar dos meses, e com algum imprudente excesso de confiança, as emboscadas, embora não se transformassem num arraial, passaram a ser mais descontraidas. Recordo-me, por exemplo, que quando o Vitória de Setúbal ganhou a Taça de Portugal ao Benfica, na final de 1965, um pequeno grupo, de que fiz parte, afastou-se um pouco para ouvir o relato, embora com o som muito baixo.

E, quando as emboscadas (ao nível de secção) tinham lugar na margem do rio Coji, próximo da jangada, havia quem improvisasse uma cana de pesca, fio, anzol e isco, e pescasse alguns peixes, que eram assados, tão discretamente quanto possível.

Ao menos por uma vez, espero bem que o coronel Rubi Marques não seja leitor deste blogue (julgo que os alferes, comandantes de pelotão, também não tinham conhecimento da façanha).

2 comentários:

  1. Bem, chamar "excesso de confiança" a ouvir relatos de futebol e assar peixe numa emboscada, é no mínimo um eufemismo... E já agora, tem que me ensinar como é que se assa peixe "discretamente", fiquei muito curiosa e é algo que me seria muito útil!

    ResponderEliminar
  2. Ana,

    Eu não escrevi que era "discretamente"; escrevi que era "TÃO discretamente QUANTO POSSíVEL".

    Quanto ao "excesso de confiança", é uma forma suave de qualificar a situação, embora também se possa pensar que o pessoal estava "apanhado" pelo cacimbo.

    P.S. - Mas sempre dou uma ajuda para assar peixe discretamente.

    Se o forno do seu fogão tem uma resistência eléctrica, basta colocar o peixe na grelha, a grelha no forno, e virar o peixe quando for preciso, para grelhar do outro lado.

    É "trigo limpo" e nem deixa cheiro.

    ResponderEliminar

O seu comentário será publicado oportunamente