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sexta-feira, 15 de julho de 2011

In Memoriam - Fernando Babo



Antes de um jogo de futebol; de calções, o Babo

Em finais de Março de 2010 fui surpreendido pela notícia de que o Fernando Babo nos tinha deixado, no ano anterior.

Encontrei-me pela primeira vez com o Fernando Babo – Fernando Pinto da Rocha Babo, de seu nome completo – quando, em Setembro de 1964, me apresentei no RAL 1, para integrar o BArt 741.

Quis o acaso que ficássemos a pertencer à mesma Companhia (a CArt 738) acabando por desenvolver uma sã camaradagem, que com o tempo se transformou em amizade. De resto, não era difícil ser amigo do Babo. Estou certo de que não serei desmentido, ao afirmar que não havia um único militar da Companhia que não sentisse simpatia por aquele furriel-miliciano equilibrado e sensato.

A estas qualidades juntava-se uma esmerada educação, bem como uma apurada sensibilidade. Vou referir duas “histórias”, que confirmam isso mesmo.

É do conhecimento geral que nos quartéis era normal o uso de uma linguagem que não só não primava pela elegância, mas também ultrapassava, uma vez por outra, a fronteira da boa educação, não sendo invulgar o uso do palavrão. A excepção, na nossa Companhia, era o Fernando Babo. Quando achava que alguma das nossas brincadeiras estava a passar das marcas, utilizava uma expressão que nunca mais esqueci, e ao mesmo tempo que encarava o “abusador”, dizia-lhe na sua pronúncia muito característica (que creio que nunca perdeu): “Vai morder o S. João na pila!”. Note-se que não estou a adoçar a frase, usando um termo mais suave; era mesmo assim, com delicadeza, que se expressava.

A sua peculiar sensibilidade manifestou-se, por exemplo, na comemoração do seu aniversário, em Lucunga.

Tinha-se criado o hábito de cada oficial ou sargento oferecer um jantar com ementa melhorada – normalmente frango de churrasco - a todos os outros oficiais e sargentos.


Num convívio com a CCaç 715; o Babo está ao centro, com uma garrafa na mão

Era uma ocasião em que o comandante da Companhia, capitão Rubi Marques, afrouxava a rigidez do RDM (Regulamento de Disciplina Militar) pelo que oficiais e sargentos convíviam, incluindo, naturalmente, o próprio comandante. Por norma, cabia-lhe a missão de, em nome de todos, pronunciar algumas palavras na altura do brinde, o que também aconteceu no aniversário do Babo.

Depois, foi a vez de o Babo tomar a palavra para agradecer. Ao referir o significado que para ele tinha aquele jantar, frisou que, para todos os efeitos, naquele dia tão especial nós constituíamos o lenitivo que, naquela data tão especial, substituia a sua família, forçadamente ausente, acentuando que, dadas as circunstâncias, o cap. Rubi Marques era uma espécie de segundo pai.

Foi então que, comovido, o nosso comandante – que tinha fama de ser um militar puro e duro – mostrou a sua faceta mais humanista. Comovido pela sensibilidade natural que o Fernando Babo pusera nas palavras que acabava de pronunciar, e não querendo chorar diante de todos nós, levantou-se, abandonou a sala, saltou para a bicicleta do sargento de dia que estava encostada à parede, e a pedalar vigorosamente saiu do quartel – e da protecção do arame farpado - pela estrada (picada) fora, perante a surpresa de todos.

Acabámos por ir buscar uma viatura e recolhê-lo mais à frente, por uma questão de segurança.

Era esta uma das formas como se manifestava a delicadeza tocante que o Babo produzia nos outros.


A bordo do "Vera Cruz"; o Babo é o segundo a contar da direita

Convivi com ele quase diariamente de Setembro de 1964 até Fevereiro de 1966, altura em que o BArt 741 foi transferido para o Quanza-Sul. A CArt 738 ficou aquartelada na Gabela, mas o 4º pelotão, a que pertencia a secção que o Babo comandava, foi colocada em Porto Amboim.

Nesse último ano de comissão, apenas convivíamos algumas horas, quando lhe cabia comandar a “coluna” que vinha à Gabela. A excepção foi o mês inteiro que estive em Porto Amboim, por troca com o Miranda Dias que, tendo a profissão de desenhador de contrução civil, esteve na Gabela a desenhar o projecto para a construção da Casa do Soldado. Voltariamos nessa altura a ter muitas horas de conversa, quase sempre sentados em frente ao mar. Era então que falávamos da lentidão na passagem dos dias e, já casado, ele se queixava das saudades que sentia da sua Fernanda.

Terminada a comissão, não voltou connosco. A chamado de familiares, viajou para Moçambique (com a esposa que, entretanto, se lhe tinha juntado em Luanda), onde ficaria até à independência daquele país.

Embora tivessemos falado algumas vezes ao telefone, só voltámos a encontrar-nos em 1994, no restaurante do José Alves, em Fafe, no decorrer de um almoço com um pequeno grupo de ex-militares da CArt 738, onde compareceu acompanhado pela esposa.

Com este texto quero homenagear um amigo, que era também um Homem bom.

1 comentário:

  1. Conheci bem, direi mesmo muito bem,o Babo. O Fernando Babo. Fui comandante do seu pelotão em Angola. Só em Angola.

    Por razões de organização militar, só em Angola foi integrado no pelotão que comandei. Conheci o Babo como se pode conhecer um homem no desempenho das mais variadas tarefas. Conheci-o no mato, no norte de Angola e em Porto Amboim em contacto directo e afável com a população civil.
    Uma das vezes que me desloquei a Portugal - à Metrópole ou ao putu, como se dizia - para gozar férias, fizemos a viagem juntos. Tive a oportunidade de conhecer o amor - direi mesmo a obsessão - pela sua mulher. Pela sua Fernanda. No dia e meio que passámos em Luanda e nas longas nove horas de viagem, o Babo falava, apenas, passe o exagero, no seu reencontro com a sua Fernanda.
    Conheci a Fernanda em Porto Amboim. O casal não se encontrou em Luanda para seguir para Moçambique. Vale a pena contar: um belo dia o Babo veio ter comigo para colocar um magno problema. Tinha familiares em Moçambique que lhe proporcionavam a ida para lá, com condições superiores às que dispunha se regressasse a Portugal. Por razões que não recordo, era imperioso que a Fernanda fosse ter com ele a Angola para, depois, terminada a comissão, seguirem para a outra costa.
    Uma simples questão se colocava: onde instalar o casal? No aquartelamento, disse ao Babo, quando me sondou sobre a possibilidade, nem pensar; casas para alugar, em Porto Amboim, não havia nem era prática. Palmada na testa e uma hipótese de solução: contactei com o padre - o padre Virgílio - que tinha uma bela casa, anexa à igreja,que raramente utilizava. O meu relacionamento com o padre nada tinha de religioso mas entendíamos muito bem as preocupações dos povos. O padre cedeu as suas instalações e o Fernando e a sua Fernanda viveram umas boas semanas em Porto Amboim, antes de partirem de Luanda para Moçambique.

    Para terminar quero reafirmar que o BABO FOI (É)UM HOMEM BOM.

    Sei que o casal Babo teve (tem)uma filha e que se chama Sandra como a minha. Pode ser que nos vejamos. Um beijo, Sandra!

    Sebastião Fagundes

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