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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cine Amboim


O Cine Amboim em dia de enchente

A sala de espectáculos da Gabela – o Cine-Amboim – apresentava sessões de cinema às terças, quintas, sábados e domingos. Ao domingo havia duas sessões, e o filme era o mesmo que tinha passado no sábado.

Como não tínhamos muitas distracções, quando o filme era bom (ou nós, talvez críticos pouco exigentes, achávamos que era) iamos ao cinema no sábado e no domingo.

Além da apresentação de filmes, tinham periodicamente lugar espectáculos musicais – hoje chamar-se-iam concertos – onde actuavam artistas em digressão por Angola. Nestes casos, não se tratava de artistas contratados para actuarem expressamente para as Forças Armadas. O espectáculo destinava-se a todos, e todos pagavam bilhete, incluindo naturalmente os militares que quisessem assistir.

Recordo-me de terem actuado na Gabela durante o ano de 1966, entre outros, Tony de Matos, Luís Piçarra, Paula Ribas e o Trio Odemira. À excepção do Trio Odemira que se auto-acompanhava, o acompanhamento musical era feito com música gravada, o que, uma vez ou outra, dava lugar a alguma descoordenação entre o cantor e o operador que nos bastidores ligava e desligava o gravador. Mas tudo se resolvia rapidamente e o espectáculo continuava, habitualmente com a sala cheia.

A apresentação em palco era feita pelo Francisco Morgado, alferes-miliciano da Cart 738. O alferes Morgado tinha experiência da função por ser locutor da Rádio Ribatejo. Aficionado da tauromaquia, foi durante muitos anos (não sei se ainda é) a voz que comentava as corridas de touros transmitidas pela RTP.

O Cine-Amboim não tinha balcão, mas dispunha de um pequeno número de frisas – oito ou dez – num patamar um pouco mais elevado, antecedendo a plateia. À frente, junto ao palco e à tela, dispunha de duas filas de bancos corridos.


Alferes-miliciano Francisco Morgado
(Foto "roubada" ao Veterano)

Espectador novato do Cine-Amboim, e tendo-me sentado na última fila, não me apercebi logo da existência dos bancos corridos. Daí a minha surpresa quando vi começarem a entrar por uma porta situada ao fundo, do lado esquerdo do palco, numerosos espectadores, que se sentaram nos referidos bancos. Eram todos negros que, vim a saber depois, pagavam um preço inferior ao dos espectadores que se sentavam na plateia ou nas frisas.

Racismo descarado, pensei eu, surpreendido, quer pela forma evidente como se apresentava, quer por sê-lo à vista de toda a gente, contrariando o que era a política oficial vigente, anunciada aos quatro ventos, incluindo os areópagos internacionais.

Não era apenas por serem negros que aqueles espectadores eram relegados para os bancos corridos.

(António Almeida, era provavelmente o mais importante empresário da Gabela, e era negro, o que não impedia que, se fosse ao cinema, ficasse comodamente instalado numa frisa, juntamente com a sua família. O Administrador do Concelho – de cujo nome não me recordo – era um negro, cabo-verdiano, que, acompanhado pela esposa, ocupava habitualmente uma das frisas.)


Luís Piçarra canta "Morena da Raia"

Os negros que residiam nas sanzalas, e que iam para os bancos corridos, eram duplamente segregados. Sentavam-se ali, não só por serem negros, como antes afirmei, mas também porque, além de serem negros, eram pobres. Era uma espécie de racismo social, que de resto, também se manifestava com frequência no Portugal europeu, no modo como eram tratados os mais pobres.

No fundo, quase todos nós o praticávamos, às vezes sem disso nos apercebermos, o que não serve de desculpa, formas de racismo.

Mas também é certo que, responsáveis ou não, acabámos, directa ou indirectamente, por pagar um elevado preço por esse comportamento.

1 comentário:

  1. Recado para um tal "José Meneses", que não conheço de parte nenhuma:

    Por princípio, publico todos comentários, sejam eles favoráveis, ou desfavoráveis aos meus textos, desde que sejam escritos com a correcção que só uma boa educação proporciona.

    Mas gostaria que o leitor "Meneses" compreendesse que uma coisa é comentar, de forma civilizada, e com argumentos sérios, um texto. Outra, bem diferente, é confundir um blogue com um monturo.

    Acontece que este blogue não é uma sanita. É por isso que aqui não têm cabimento os vómitos bolsados pelo "Meneses", Por muito que lhe doa a verdade do que escrevi neste post.

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