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domingo, 25 de setembro de 2011

Café Central (I)

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Da esq. para a dta.: Azevedo, Nunes da Silva, o autor do blogue e o Vaz;
Ao fundo, o Café Central; à dta., onde vai a passar um civil, a linha férrea que ligava a Gabela a Porto Amboim;

O Café Central, o maior e o melhor café da Gabela, era frequentado pela nata da sociedade gabelense, principalmente na sua componente masculina.

Não era raro, sobretudo quando a chuva chegava no tempo conveniente, e a colheita de café se adivinhava frutuosa, ver os fazendeiros amesendados, a despacharem travessas de camarão (às vezes, no que poderia parecer uma manifestação de novo-riquismo, regadas a uísque).

Mas, se trago hoje o Café Central ao blogue é para relatar o primeiro de dois episódios, em que fui um dos intervenientes, e que ali tiveram lugar.

No grupo de fazendeiros acima referidos, tentava (e aos poucos ia conseguindo) introduzir-se um jovem, que andaria pelos trinta anos, e que tinha sido “graduado” em fazendeiro, por ter caido nas boas graças (e na cama) da patroa, viúva recente, cuja mocidade já passara há muito, e que o promovera a gerente do negócio.

Embora os outros o gozassem quando se encontrava ausente, iam-no tolerando, talvez como prémio pelos esforços que fazia para lhes agradar, que incluiam com alguma frequência o pagamento dos lanches.

Numa dessas tardes, entrei no café com dois camaradas, e sentámo-nos perto da mesa onde o nosso homem estava, com o grupo, sentado de costas para nós.

Nesse ano de 1966, estávamos já longe da euforia com que foram saudados os primeiros batalhões chegados a Luanda, em 1961, recebidos apoteoticamente pela população civil, que, borrada de medo, os acolheu festivamente, proporcionando-lhes bastas mordomias (incluindo hospitaleiros convites para as suas residências, nalguns casos com consequências inesperadas). Em suma, eram uns heróis ainda antes de irem para o mato (e, se não chegaram a ser heróis, demonstraram pelo menos uma enorme capacidade de sacrifício, em condições particularmente adversas).

Cinco anos depois, em 1966, e já com as costas quentes, uma parte da população branca dizia, à boca pequena que se a guerra ainda não tinha terminado, era por conveniência dos militares, que queriam prolongá-la porque ganhavam bom dinheiro com o conflito.

É certo que em determinadas situações e graduações, havia quem abichasse fartos proventos. Mas essa não era a regra e, tal como eu, a esmagadora maioria da tropa estava lá por obrigação.

Foi neste contexto, que o nosso jovem “fazendeiro”, que não se tinha apercebido da nossa entrada, afirmava, alto e bom som, que se as autoridades angolanas dessem carta branca à população civil, e mandasse embora os chulos que os andavam a sugar, há muito que o terrorismo tinha acabado.

Não gostando do que ouvimos, resolvemos que um de nós iria pedir-lhe satisfações pelo que estava a dizer. Não chegando a acordo sobre qual de nós iria, pois todos queríamos ir, recorremos ao velho jogo da “porra”.

Quando o “premiado” chegou ao pé dele, lhe tocou no ombro, e lhe perguntou se se importava de o acompanhar até à rua para terem um particular sobre o que ele acabava de afirmar, o homem ficou branco. Perante o silêncio expectante dos outros, tartamudeou que devia haver um mal entendido, que não pretendia ofender ninguém, muito menos a nós, militares, por quem tinha a maior consideração e respeito, e que a “última coisa que queria era ofender o senhor furriel”, pelo que não havia motivo para brigas.

A resposta foi de que não havia briga nenhuma. O que haveria, se sonhássemos que ele alguma vez voltava a levantar calúnias a nosso respeito, era um “focinho” partido. O dele.

Ganhámos” um amigo que, fazendo das tripas coração, de cada vez que nos encontrava se desfazia em cumprimentos e mesuras. E, quando no Natal seguinte inaugurámos a Casa do Soldado, teve a gentileza de oferecer uma caixa de bebidas para o bar.

2 comentários:

  1. Caro Fonseca:

    A gabarolice era, de facto, recorrente, provocando as reacções que muito bem descreveu. Não tenho experiência pessoal, até porque a minha permanência em grandes localidades é diminuta. Todavia, aquando da minha actividade na Zona Leste e em virtude do evoluir da situação, a gabarolice não se manifestava (pudera!) e o bom acolhimento voltou, bem semelhante àquele do início da guerra. Obviamente!

    Um abraço do
    Silva Pereira

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  2. Caro amigo,

    Era exactamente como diz. A gabarolice dos heróis de pacotilha, viria a esfumar-se quando, em Dezembro de 1966, na sequência do "assalto" ao quartel de Teixeira de Sousa, começou a correr o boato de que a Gabela iria sofrer uma invasão de turras, a partir dos morros que circundavam a cidade.

    Nessa altura, lá vieram os bravos da véspera ao quartel, num "ai Jesus que eles vêm aí" (o heroísmo tinha ido para o brejo).

    Contarei essa história um dia destes.

    Um abraço do

    Carlos Fonseca

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