O Café Central, numa foto de tempos mais recentes (como se pode comprovar pela falta de asfalto na rua), e com a cara lavada
O Café Central, que era habitualmente designado pelos gabelenses por Bar Central, dispunha de um espaço para jogos de cartas. Ficava situado do lado direito de quem entrava, ao fundo. Era muito utilizado pelos cartolas locais, que disputavam renhidas partidas, não necessariamente a feijões.
As cartas eram fornecidas pelo Café, contra pagamento do correspondente “barato” (em rigor, o “barato” era uma percentagem sobre os ganhos do jogo, que era paga ao dono da casa. Neste caso, tinha um custo fixo, e funcionava como uma espécie de aluguer das cartas).
Uma noite, eu e mais três camaradas resolvemos “armar aos cágados” e sentámo-nos numa das mesas para jogarmos king (a um centavo o ponto, para dar mais animação ao jogo).
Quando resolvemos dar por findo o serão, chamámos o empregado para recolher as cartas e cobrar o “barato”, cujo custo desconhecíamos, porque, por manifesta imprevidência, não nos tínhamos informado previamente. Para nosso espanto, pediu-nos vinte escudos por cabeça. Ficámos autenticamente atordoados, pois nunca pensámos que a jogatana nos ficasse por mais de dez escudos, em vez dos oitenta que foram cobrados.
Hoje, vinte escudos não dariam para comprar nada. Mas, para fazerem uma ideia, em 1966 , que era o ano em questão, um almoço no restaurante do Hotel Praia-Mar, em Novo Redondo, composto por entrada, prato de peixe, prato de carne, sobremesa, vinho, pão e café, ficava-nos por doze escudos e cinquenta centavos. E o serviço era de primeira qualidade.
Pagámos, mas, furiosos por nos julgarmos logrados pelo elevado preço dispendido, ficámos a fazer planos de desforra. E, se não nomeei os meus parceiros, foi porque a “vingança” que arquitectámos – e que levámos a cabo, sem medir as consequências –, não nos daria nenhum louvor se chegasse ao conhecimento da hierarquia militar.
As instalações do café eram amplas e tinham uma espécie de balcão-vitrina a dividir a sala ao meio. Nessa vitrina, a cujo interior se acedia através de portas de correr, envidraçadas e sem fechadura, estavam expostos vários produtos, entre os quais caixas de bombons e tabletes de chocolate.
E foram as tabletes o alvo da nossa “operação”, para a qual contámos com a colaboração de outros camaradas no papel de figurantes e de biombos. Ocupando mesas de um lado e de outro da vitrina, aproveitávamos as ocasiões mais propícias e subtraiamos algumas tabletes, que distribuiamos entre todos.
Estes “golpes de mão” tiveram lugar três ou quatro vezes, com intervalos mínimos de uma semana, para não darmos nas vistas, tendo terminado quando nos considerámos ressarcidos do que achávamos ter sido uma espoliação abusiva, e com a intenção de nos afastar do local de jogo, talvez com receio de que viessemos a revelar os valores envolvidos.
Sem que isso sirva de justificação, nem é esse o meu propósito, a nossa juventude bem como as circunstâncias especiais em que nos encontrávamos, ajudam a explicar os disparates que fazíamos, e de que este é um exemplo, mas não o único.
E, por falar em disparates, qualquer dia conto a história dos cabritos que pediam boleia.
Caro Fonseca:
ResponderEliminarTrindade Coelho escreveu um livro (In illo tempore) sobre as brincadeiras levadas a cabo pelos estudantes de Coimbra, no tempo em que por lá estudava.
Porque não o imita?
Penso que seria uma divertida colectânea de contos, com êxito assegurado. Uma espécie de "História Anedótica da Minha Comissão"
Mais uma vez os meus parabéns e continue a brindar-nos com estas "historietas".
Um abraço do
Silva Pereira
Caro Silva Pereira,
ResponderEliminarLi esse livro de Trindade Coelho, já lá vão tantos anos, que nem sei onde pára, nem mesmo se ainda sou dono dele, ou se ficou esquecido (como tantos outros) num empréstimo.
Quanto à sua sugestão, sucede que, não só não tenho o talento de Trindade Coelho, mas também não conheço uma quantidade de historietas suficientemente interessantes para merecerem publicação.
Aliás, já contei a maior parte das minhas historietas.
Um abraço
C. Fonseca