Pesquisar neste blogue

sábado, 30 de abril de 2011

"Férias" em Luanda (Parte II)



Como podem imaginar depois de lerem o post anterior, as “férias” foram seriamente prejudicadas pela circunstância de ter de me apresentar no quartel, quer a meio da manhã, quer a meio da tarde. Não era por acaso que não nos podíamos apresentar às nove, ou às catorze horas. Porém, isso não impedia que fossemos à praia.

Para os residentes angolanos a época de praia ia de Novembro a Abril. No resto do ano era a estação “fria”. Para mim e para muitos outros havia praia todo o ano em Angola, desde que estivéssemos perto de uma. Afinal de contas, as temperaturas, quer do ar, quer da água, continuavam bem mais agradáveis do que na maior parte das praias a que estávamos habituados na Metrópole (que era um dos nomes por que era conhecido em Angola este canto da Europa).



Vista de Luanda a partir dos jardins do Cinema Miramar
Ao fundo, à direita, a Ilha de Luanda; ao centro, a Fortaleza de S. Miguel

Esse mês de Agosto (e parte de Setembro) acabou por ter aspectos divertidos. A minha fractura não me incomodava muito (só andava de braço ao peito quando ia ao DAA), e a minha estada em Luanda coincidiu com a de alguns camaradas que já conhecia e que se encontravam, eles sim, em gozo de férias.

Um deles, o Zé Luís, furriel-miliciano do pelotão independente que estava aquartelado no Vale do Loge (sede do comando do Bart 741), era um madeirense sempre bem disposto, e pronto a pregar inocentes partidas, nas quais nós também colaborávamos, se fosse preciso.

Uma das preferidas dele, que nem sequer era muito original, mas que nos divertia sempre, era pôr o público a bater palmas sem justificação, nos espectáculos a que assistíamos. Havia um programa de variedades - creio que se chamava “Chá da Seis” - que uma estação de rádio transmitia directamente do Cinema Restauração. Num desses espectáculos, a meio da actuação de uma cantora, o Zé Luís levantou-se e começou a aplaudir, no que foi acompanhado pelos três ou quatro camaradas presentes. Poucos segundos depois toda a sala aplaudia.


Cinema Restauração

Lembro-me de outra igual que aconteceu num importante jogo de hóquei em patins que se disputou no recém-inaugurado recinto desportivo do Ferroviário de Luanda, entre esta equipa e outra cujo nome já não recordo. Mas lembro-me de que o recinto estava repleto, com largos milhares de espectadores. E foi então, durante o desenrolar de uma jogada sem relevância especial, que o Zé Luís iniciou os aplausos que puseram toda aquela gente de pé e a aplaudir não se sabia muito bem o quê, perante a surpresa dos próprios jogadores.

Eram malandrices ingénuas que não prejudicavam ninguém. É capaz de ter havido outras malandrices menos inocentes. Mas, confesso: se as houve, ou não tive conhecimento delas ou esqueci-as por completo. Se soubesse onde pára o Zé Luís perguntava-lhe. Mas, depois de ele ter acabado a comissão, antes de nós, nunca mais tive notícias dele.

De quem fui tendo notícias foi do Conjunto Académico de João Paulo, que era, nesse tempo um dos conjuntos musicais com maior êxito nacional. Formado no início da década de 1960 por alunos do Liceu do Funchal, tinha como vocalista Sérgio Borges, que viria a vencer o Festival RTP da Canção de 1970, com a canção “Onde Vais Rio Que Eu Canto” (algumas más línguas que achavam que a melhor era a “Canção de Madrugar”, rebaptizaram-na como “Onde Vais Canto Que Eu Rio”).



"Onde Vais Rio Que Eu Canto", por Sérgio Borges

Este Conjunto fez várias digressões pelo país, que incluíram Angola e Moçambique.

Quis o acaso que nesse Agosto de 1965 as suas actuações em Luanda tivessem coincidido com a minha permanência na cidade. Tendo sido condiscípulo e sendo amigo deles, o Zé Luís acompanhou-os quase sempre, pelo que quase não o vi durante o tempo que lá estiveram. Mas ainda apareceu para me convidar a assistir ao espectáculo deles nos bastidores do Cinema Avis (?). Foi uma experiência interessante, que nunca tinha tido. Eram uns moços simpáticos, que estavam com nervoso miudinho antes da função começar, e muito felizes no final por tudo ter corrido bem.




"Balada A Uma Rapariga Triste", pelo Conjunto Académico de João Paulo 

Esta canção não era, certamente, a mais famosa deste conjunto, mas escolhi-a porque  o vídeo mostra (sem com isso pretender fazer qualquer juízo comparativo) como era diferente a apresentação dos músicos, relativamente aos tempos actuais

Podia continuar a contar muitas outras peripécias dessas semanas em que vimos todos os filmes que passaram nos cinemas da cidade, independentemente da sua qualidade, frequentámos as cervejarias do costume, com algumas diabruras à mistura e, uma vez por outra, acabávamos a noite com umas cervejas no bar do Aeroporto, o único sítio que, em Luanda, ficava aberto toda a noite. Quando isso acontecia, avisava a recepção para me acordarem às dez horas, para poder chegar ao DAA antes das onze.


Terminal do Aeroporto de Luanda

Em meados de Setembro, já curado, regressei a Lucunga. No regresso já não tive direito a viagem na FA. Ou pagava o bilhete na DTA, ou voltava em cima de um camião de uma coluna de reabastecimento. Depois de todas as despesas que tinha feito, e estando no horizonte o custo de uma viagem de avião para gozo de férias no Portugal europeu, marcadas para Outubro, decidi poupar e viajei dois dias em cima de um camião. Maravilha: voltei a deliciar-me com a doçura exótica das mangas da beira da estrada. Na DTA o melhor que conseguiria seriam uns rebuçados que a hospedeira (às vezes  substituída por um hospedeiro) distribuía.



P.S. - Ainda relativamente ao Festival da Canção de 1970 havia na altura quem defendesse que se o Sérgio Borges tivesse cantado a “Canção de Madrugar”, em vez do Hugo Maia Loureiro, teria sido esta a vencer.

Alguns fans do Sérgio achavam mesmo que qualquer uma das canções concorrentes teria ganho se fosse cantada por ele. Exageros, mas lá que ele cantava bem, era um facto.

Deixo aqui a “Canção de Madrugar” cantada pelos dois intérpretes, para que os meus caríssimos leitores possam comparar os méritos de cada um.







Interpretação de Hugo Maia Loureiro




Interpretação de Sérgio Borges

2 comentários:

  1. Oi Carlos,
    Nos aqui na Australia votamos no Sergio Borges. Eu lembro-me dos dois cantores perfeitamente e foi engracado ouvi-los outra vez.
    Obrigado por mais um post de excelente qualidade.
    Mais logo ca estaremos para vos ver atraves do Skype.
    Abracos,
    David & Carminda Faria

    ResponderEliminar
  2. Mais um voto para o Sérgio. Sempre achei que o Maia Loureiro tratou mal a canção. Não teve garra...

    Sebastião Fagundes

    ResponderEliminar

O seu comentário será publicado oportunamente