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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Reabastecimento


Toto - Vista a partir da igreja


Duas vezes por semana saía uma coluna de Lucunga para o Toto, onde, além da entrega e recepção do correio, se fazia igualmente o reabastecimento de géneros. A viagem prolongava-se quase sempre até ao Vale do Loge onde estava instalado o comando do Batalhão, não só para entregar e receber documentação variada, mas também para que o vagomestre, furriel-miliciano Vaz, adquirisse produtos frescos, incluindo carne de vaca abatida na hora.

Fiz várias vezes este percurso, quer como responsável pela segurança da coluna, quer, estando de folga, como "turista". Nesta última qualidade aproveitava para rever e conversar com os camaradas da CArt 739, no Toto, da CCS, no Vale do Loge e da CCaç. 715 na Missão do Bembe.

Outro motivo para a viagem era petiscar um almoço com uma ementa melhorada no restaurante do "Hotel" do Toto, propriedade de um cidadão que, curiosamente, se chamava Cid Adão, e de quem se dizia, entre outras coisas, que era dono de tudo o que tinha valor naquela localidade. 


Vale do Loge (Foto anterior a 1960)

A este respeito contava-se até uma  anedota que não andava longe da realidade. 

Certa ocasião o sr. Adão teria encontrado um amigo em Luanda acompanhado por pessoas que ele não conhecia, e foi-lhes apresentado como sendo "o sr. Adão, do Toto", ao que ele teria respondido "não, não, o Adão não é do Toto, o Toto é que é do Adão!"

Como dizia o outro: "Pode não ser verdade, mas é bem achado".

Enquanto responsável pela segurança da coluna, a viagem era sempre feita sob alguma tensão, atento ao que nos rodeava durante todo o percurso. Tinha especiais cuidados na abordagem a uma certa curva, em forma de bico de pato, que me parecia propícia a uma golpe do inimigo que, se bem preparado, nos causaria sérios danos. Se eu estivesse do outro lado, e tivesse poder de decisão, aquele seria, sem sombra de dúvida, um dos locais escolhidos para montar uma emboscada.  Felizmente nunca tivemos problemas nesse percurso.

Recentemente, ao fazer uma pesquisa, li num blogue, de cujo endereço não tomei nota, que em 1969 uma coluna que se dirigia de Lucunga para o Loge sofreu naquele local uma emboscada de que resultaram onze mortos, além de vários feridos, entre as nossas tropas.

Quando viajava como "passageiro", sem o peso da responsabilidade pela segurança dos outros, ia completamente descontraído, o que não significava o mesmo que ir distraído. 


Rua do Bembe

À terça-feira, um comerciante do Bembe recebia por avião, via Toto, uma remessa de camarões deliciosos, dos grandes, cozinhados com gindungo, como era uso em Angola. No regresso trazia sempre umas quantas doses desses camarões, que iriam servir de petisco, acompanhados com vinho verde, envasilhado em grandes garrafões com "carapaça" de gesso que, entretanto, o Vaz - que além de fazer sempre a viagem como responsável pelo reabastecimento, fazia também parte do grupo dos petiscos - tinha deixado a refrescar.



Do "grupo do camarão" faziam parte habitualmente, o Vaz, o Mourão, o Miranda Dias, o Almeida, o Morais Soares e eu próprio, a que eventualmente se juntava um ou outro. Deste grupo, só eu e o Miranda Dias aproveitávamos as cabeças do camarão. Os outros, que não gostavam das cabeças, iam "devorando" a maior parte dos bichos, o que significava que nós, entretidos com as cabeças, acabávamos por comer menos. Então, a partir de certa altura resolvemos trazer mais um prato onde colocávamos as cabeças, que deixávamos para comer no fim, enquanto íamos acompanhando o ritmo dos parceiros. Desta forma, quando os outros acabavam o petisco, nós continuávamos a comer as cabeças, que tínhamos separado  com um generoso pedaço do corpo agarrado.

E não é que eles nunca deram pela marosca!

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