Pesquisar neste blogue

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Hoje Canta o Farinha!



Lucunga (anos 70)

Apesar das condições de relativo isolamento em que vivíamos em Lucunga, não se pode dizer que a alimentação fosse má.

No Exército os vagomestres tinham má fama, e admito que, com alguma frequência, isso não acontecesse só por má vontade.

No caso da nossa Companhia, ninguém podia, sem faltar à verdade, acusar o furriel-miliciano Vaz de não se esforçar por fornecer a melhor alimentação possível, dentro das circunstâncias a que o seu espinhoso trabalho estava sujeito bem como aos condicionalismos em que era feito o reabastecimento.

Fome ninguém passava. É certo que embora os géneros existentes no depósito fossem à partida iguais para todos, se comia um pouco melhor nas messes de oficiais e sargentos, que tinham cozinha e ementa comuns.

Quando chegámos a Lucunga o comandante de Companhia determinou que embora os locais das refeições fossem diferentes (rancho geral, messe de oficiais e messe de sargentos), haveria uma ementa única confeccionada na cozinha do rancho geral.

E, durante os primeiro dias, foi esse o procedimento seguido. Porém, pouco tempo depois – cerca de duas semanas, se bem me lembro - começaram a ouvir-se vozes de descontentamento entre alguns comensais das messes. Por essa altura e a fim de calar as insatisfações (e quem sabe se por não estar também contente com os “petiscos”) o nosso capitão decidiu que embora os géneros continuassem a ser exactamente os mesmos, as refeições das messes passavam a ser confeccionadas em separado numa cozinha instalada na messe dos oficiais, onde ficou também a funcionar a messe de sargentos, embora numa sala diferente.

Com o tempo acabou por se subverter a norma dos “géneros iguais” e, na maior parte das vezes, as refeições da messe eram diferentes, para melhor, do que as do rancho geral. A excepção era a sopa, que continuava a ser fornecida pela cozinha do rancho.


Na messe de sargentos 
Convívio com militares da CCaç. 715, da Missão do Bembe, que incluiu jogo de futebol
Da esq. para a dta., com o rosto visível: Rodrigues, Vaz,  Mourão, Fonseca e Babo

Uma das diferenças mais notórias dizia respeito, sobretudo, ao chamado acompanhamento. Na messe comíamos muito menos vezes arroz do que no rancho geral, onde era servido com tanta frequência que, a partir de certa altura, o pessoal já não podia vê-lo no prato.

Ouviam-se muito as várias emissões de rádio, em Lucunga. (E, agora, perguntarão os sete visitantes que habitualmente vêm ler o que escrevo: mas que raio tem a rádio a ver com o rancho? Já lá chegaremos.)



Nessa época estava na berra o fadista Fernando Farinha, e os programas radiofónicos - uns atrás dos outros – “massacravam” os ouvintes com os seus fados que, apesar de o artista ter um grande reportório, bem como uma excelente voz, acabavam por deixar o pessoal cansado de o ouvir, a tal ponto que logo mudavam de estação quando ele “aparecia”.

E era por isso que, nos dias em que o arroz fazia parte da refeição, se espalhava rapidamente pelo quartel o aviso sarcástico: “Hoje canta o Farinha!”

Acredito que ainda hoje muitos não possam ver arroz na mesa.

Sem comentários:

Enviar um comentário

O seu comentário será publicado oportunamente