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segunda-feira, 5 de março de 2012

Cabritos à boleia


Igreja da Quibala

Ao longo dos cerca de 90 quilómetros que separavam a Gabela da Quibala, havia extensas planícies onde pastavam numerosos rebanhos de gado caprino, que tinham a particularidade de parecerem estranhamente abandonados, sem qualquer pastor à vista. Cada rebanho tinha muitas centenas (quiçá, milhares) de animais, sem nenhum ser humano, nem sanzalas, nas proximidades.

Uma vez por semana – salvo erro, à quinta-feira – saía da Gabela um jeep que transportava o correio militar até à Quibala. Se bem me lembro, o transporte era feito em forma de estafeta: camaradas do comando do Batalhão traziam o correio até à Gabela, onde a pasta era passada para a nossa Companhia, que se encarregava de a levar até à Quibala, onde era entregue a uma nova equipa.

É possível que também eu tenha feito esse serviço alguma vez, mas, na verdade, não tenho disso a menor recordação.

Algum tempo depois do início deste serviço, no regresso de uma das viagens, um dos “passageiros” do jeep era um cabrito, já “falecido” à chegada, que acabou nas mãos do nosso cozinheiro africano, que fez dele uma excelente caldeirada à angolana, como só ele sabia fazer, para delícia da dúzia de comensais (que o tamanho do animal não dava para mais). De comer, lamber os dedos e chorar por mais.

A partir dessa semana, e durante alguns meses, não houve viagem em que não aparecesse um cabrito a “pedir boleia”.


Caldeirada de Cabrito

E, de caldeirada (quase sempre), ou no forno, acabava por constituir um suplemento às ementas rotineiras, de se lhe tirar o chapéu.

Porém, afinal os rebanhos não estavam tão abandonados como nos parecia. E, num belo dia, apareceram no quartel o chefe da polícia local, o administrador de posto da zona dos rebanhos e um soba, representante dos proprietários, a queixarem-se de que a tropa andava a fazer “mão baixa” nos cabritos, todas as semanas, com real prejuízo para os donos.

Duvido que alguém no quartel ignorasse o que se passava com os nossos petiscos, que até eram confeccionados na cozinha do rancho geral. Mas a verdade é que o capitão Carvalho, comandante da Companhia, mostrou-se surpreendido pela queixa, e já falava em instaurar processos disciplinares aos responsáveis, que, de facto, éramos todos os furriéis a prestar serviço na Gabela. Uns por darem “boleia” aos animais, os restantes porque também abancavam à mesa do petisco.

Acabou por prevalecer uma proposta do chefe da polícia, que a todos pareceu sensata: estabeleceu-se um preço, mais do que razoável do nosso ponto de vista, por cada cabrito, calculou-se o número de cabritos desviados (ia a escrever devorados), tendo em conta o número de viagens efectuadas, e cada um dos comensais pagou a sua parte.

Ainda assim, todos, ou quase todos, achámos que os pitéus valeram bem, quer os escudos despendidos, quer a rabecada do capitão.


P.S. - Já aqui tinha escrito antes que não há melhor forma de cozinhar cabrito do que de fazê-lo de caldeirada à moda de Angola? Um pitéu!

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