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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Lucunga


Lucunga

No dia seguinte à nossa chegada a Lucunga, teve início a "passagem de testemunho" da Companhia que íamos render,  para a nossa.

Os furriéis com as especialidades de transmissões, enfermagem, reabastecimento (vagomestre) e mecânico-auto, começaram a conferir e a receber o material das respectivas áreas.

De uma maneira geral havia falhas  que a habilidade dos "mais experientes" ultrapassou. Neste particular, deixo aqui o relato da recepção de duas cozinhas de campanha.

O nosso vagomestre estranhou que as cozinhas não se encontrassem no mesmo local, mas o camarada que ia ser rendido deu-lhe uma explicação qualquer que ele aceitou como boa. Depois de receber e conferir os utensílios de uma das cozinhas, deslocaram-se para o local onde estava a outra. Mais tarde percebeu que o tempo excessivo que demoraram a chegar a esse local tinha como finalidade dar tempo a que alguém, por outro caminho, levasse peças de uma cozinha para a outra, onde estavam em falta. 

Um ano depois seria a sua vez de ser "habilidoso", fazendo o mesmo. 

No posto de transmissões, ingénuo e de boa fé, o nosso camarada conferiu o material constante da lista que lhe apresentaram, sem confirmar se todos os rádios estavam operacionais. Na realidade, a maior parte estava avariada e nunca viria a funcionar, tendo sido muitas as vezes em que fomos para operações sem rádio ou, levando-o, não funcionava impedindo qualquer espécie de contacto com o posto em Lucunga, ou com outros pelotões.



GMC

O parque automóvel não estava melhor. Dos quatro "jipões", do tempo da II Guerra Mundial, só dois circulavam; os outros dois apenas serviam para fornecer peças. Das duas camionetas GMC (também originárias da II Guerra), só uma circulava, e muitas vezes as condições mecânicas eram deficientes. Dos pequenos "jipes" Williams (alguns da mesma época dos anteriormente citados, com duros estofos de lona), só alguns andavam .

Esta situação seria alterada alguns meses depois com a chegada de seis modernas viaturas Unimog, algumas equipadas com guinchos, de grande utilidade nas picadas lamacentas e escorregadias em que circulávamos.

Embora as condições de habitabilidade fossem razoáveis, algumas moradias  necessitavam de obras de reabilitação e, nalguns casos, nem casas de banho tinham.

Houve, por isso,  necessidade de meter mãos à obra, sem prejuízo das operações militares no mato (e no capim, claro). Mãos que foram as dos que na vida civil eram pedreiros, carpinteiros, electricistas, etc., além dos que se tornaram "profissionais" do ramo,  fazendo um apressado "curso de formação " (sem direito a subsídios). 

O dinheiro para o material também apareceu. As empresas fornecedoras de combustível tinham, com periodicidade regular, uma "gentileza" para com as unidades, cujo valor variava em função  dos fornecimentos efectuados. Não sei, nem nunca me interessou saber, como eram utilizadas essas "gentilezas" nas várias unidades que ao longo de 13 anos combateram em Angola. Sei que durante a nossa  permanência em Lucunga, sendo comandante de Companhia o capitão Rubi Marques, essas verbas se destinaram a melhorar as nossas condições de vida. 




Cafeeiros no Amboim, Quanza-Sul

Obtivemos outra fonte de rendimento com a venda de café em grão. A nossa zona tinha muitas fazendas de café, abandonadas. Porém, todos os anos os cafeeiros floriam e davam fruto. Também aí encontrámos outra forma de aumentar as receitas. Depois de maduro apanhámos uma boa parte desse café, aproveitando o tempo que as operações ou o cumprimento de outros serviços nos deixavam livres. Secámo-lo num terreiro improvisado, e depois vendêmo-lo.

Quando saímos de Lucunga em Fevereiro de 1966, todos os alojamentos tinham boas condições de habitabilidade, que incluíam casas de banho.

Na varanda da "nossa casa"

Da esq.para a dta.: Mourão, Luís de Matos, Miranda Dias, Nunes da Silva e Carlos Fonseca 
(Faltam os residentes Mário Abreu e Azevedo)

Fiquei alojado numa pequena moradia (dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho) com uma varanda, juntamente com mais seis camaradas que aqui recordo: Miranda Dias, já falecido, Nunes da Silva (meu colega de quarto), Mário Abreu, Joaquim Almeida (que viria a ser transferido para outra unidade, tendo sido substituído pelo Luís de Matos) Mourão e António Azevedo. A sala espaçosa foi transformada num quarto, com três camas. A cozinha era a nossa arrecadação.

Como éramos sete, logo alguém baptizou a casa como moradia dos "Sete Magníficos", título de um filme famoso nessa altura.

Começou assim uma nova etapa que duraria treze meses, com dias bons, dias maus e outros assim-assim. Mas nenhum de nós era o mesmo quando, 13 meses depois, partimos rumo ao Quanza-Sul e a uma vida mais descansada.  

1 comentário:

  1. Caro Carlos Fonseca:

    Muito bem! Sinceros parabéns!

    O seu blogue promete!!!

    Um Abraço

    SP

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