(Clicar nas fotos para aumentar)
Esta
fotografia foi tirada em Tavira, em Agosto de 1963, junto ao
monumento que homenageia os mortos da I Grande Guerra. Eu tinha
“assentado praça” no quartel daquela cidade algumas semanas
antes, para frequentar o Curso de Sargentos Milicianos.
Durante
os cinco meses e meio de duração do Curso, vinha a casa duas vezes
por mês. Nesse fim de semana, calhava não vir e, estando o meu pai
de férias, a família resolveu viajar até ao Algarve para me fazer
uma visita, aproveitando para conhecer a região.
Na
foto o meu rosto está um tanto fechado, e eu tinha uma boa razão
para isso: a visita calhou num fim de semana em que eu não me podia
ausentar do quartel. Tinha ido dois dias antes à enfermaria por ter
bolhas nos pés, provocadas pelas botas. O médico prescreveu o uso
de sapatilhas, o que, automaticamente, me incluía na lista de
“detidos e convalescentes”, com a consequente obrigação de
permanecer no quartel durante cinco dias (*).
A caserna da 3ª Companhia a que eu pertencia
(Foto recente)
Com
a inconsciência que só as verduras da mocidade explicam, fui ter
com um dos meus camaradas mais chegados – o Vítor Nogueira, um
casapiano que pertencia ao meu restrito grupo de amigos – e
expliquei-lhe que, tendo os meus pais na cidade, ia sair e passar a
tarde com eles. Por isso, pedia-lhe que, se o oficial de dia mandasse
tocar a “detidos e convalescentes” – o que, sendo fim de
semana, era praticamente certo, ele calçasse umas sapatilhas e se
apresentasse no seu gabinete como se fosse eu.
Começou
por me dizer que não, mas não fiz por menos e, de forma indecente,
cobrei alguns favores que lhe tinha feito (que incluiam, entre
outros, escrever, suprindo a sua preguiça, cartas em seu nome para a namorada, em maiúsculas
para que ela não estranhasse a letra diferente) e lembrei-lhe que
sendo o oficial de dia de outra Companhia, sabia lá, num universo de
900 instruendos, quem era o 996 (eu) ou o 993 (ele, Vítor). E,
embora muito contrariado, lá acedeu.
Ainda
assim não passei uma tarde muito tranquila, e é claro que só muito
mais tarde é que contei o episódio aos meus pais. Que por acaso não
acharam tanta graça como o meu avô paterno, que “se pelava”
pelos meus atrevimentos. Os que eu tinha realmente, e os que
terceiros (normalmente alfarelenses meus “amigos”) inventavam.
O "meu" pelotão. O Vítor Nogueira está identificado com o nº 7
De
regresso ao quartel, o Vítor Nogueira ainda não tinha recuperado do
susto. Como previsto, tinha havido o toque de chamada, e o pobre
rapaz lá foi, com a morte na alma, e, como me contou, com as palmas das mãos suando abundantemente, apresentar-se
como se fosse eu.
Também
como era esperado, o oficial deu baixa na lista, e nem deve ter
olhado bem para ele. Mas, mesmo que olhasse, não fazia a menor ideia
de que estava a ser enrolado.
Imagem actual do Monumento, em frente à Câmara Municipal de Tavira, na Praça da República.Com as modernizações de que foi objecto, a praça tem, hoje, um aspecto totalmente diferente
Decidi
escrever esta “história” porque, faz hoje precisamente 50 anos,
fui seleccionado para fazer parte de uma força que, junto ao
monumento, e em comemoração da data em que formalmente terminaram
as hostilidades – na 11ª hora, do 11º dia, do 11º mês do ano de
1918 - prestou honras militares aos que, durante a Guerra, cairam
em defesa da Pátria.
No
meu caso pessoal, evoquei também o meu avô, que tendo
regressado vivo e são daquele conflito, era e continua sendo, um
homem de quem sempre me orgulhei.
Quando
foi a minha vez de regressar de outra guerra, foi a vez dele, à
minha espera no Cais da Rocha, me abraçar dizendo-me do orgulho que
sentia por me ter como neto.
Este
texto é também para ele, que partiu para sempre em 1969, deixando-me a memória de um homem insubstituível e uma perene saudade.
(*)
Esta espécie de “quarentena”
foi imposta pouco depois do início do Curso, para evitar abusos,
porque muitos instruendos declaravam-se doentes, apenas para irem à
consulta, furtando-se assim aos duros exercícios matinais.
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