Em
1964 não havia construções tão próximas do pinhal, nem estradas a
atravessá-lo
(Foto
do Google Earth)
A
maior parte dos exercícios de campo que fomos realizando durante os
meses de Outubro e Novembro de 1964, teve lugar pelos campos e montes
do concelho de Loures (durante os quais descobri, entre outras
coisas, que Carcavelos não era apenas uma praia do concelho de
Cascais. Havia também – e ainda há – uma pequena povoação com
o mesmo nome, próximo de Lousa, onde na altura se comiam excelentes
queijos frescos).
As
semanas de campo da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional –
penso que era assim que se chamava – tiveram como base um pinhal,
situado nas imediações da aldeia do Tojalinho, onde montámos as
nossas tendas durante cerca de três semanas, no início de Dezembro.
A distância entre o RAL 1, na Encarnação, e o pinhal, foi
percorrida “pedibus calcandibus”, isto é, a pé.
Dali
saíamos, calcorreando montes e vales, para treinar os diversos
exercícios, tentando antecipar, de modo tão aproximado quanto
possível, as operações que, julgávamos nós, nos esperavam em
Angola, durante todo o dia e algumas vezes à noite.
Encontrei
esta foto por puro acaso, quando procurava imagens para este post.
Lembrei-me de imediato da tarde em que o meu pelotão aqui parou para
matarmos a sede, tendo o pessoal ficado um bocado a descansar na
relva. A estrada não era asfaltada, nessa época, nem o lavadouro
estava tão cuidado.
(Foto
de Carlos Varelas)
Aqueles
dias serviram sobretudo para reforçar a nossa identificação com as
situações de desconforto e de penosidade que caracterizariam a
nossa missão em Angola. Cada uma das pequenas tendas servia de
alojamento a três militares, a alimentação era confeccionada em
cozinhas de campanha, e cada um comia onde calhava, depois de, em
fila, recolher o “petisco”.
Quanto
à higiene pessoal, fazíamos o que podíamos com a água de um
tanque existente num terreno contíguo, que naquela época do ano
estava "gelada". Uma imagem que guardo dessa altura, é a do nosso
comandante de Companhia, capitão Rubi Marques, sob o frio intenso
das primeiras horas da manhã, de tronco nu, a lavar-se e a
barbear-se, pouco faltando para tomar um banho completo. Só de ver,
dava arrepios. Era com gestos como esse, que foi, ao longo do tempo,
conquistando o respeito e a admiração dos homens que comandava.
Era
num restaurante deste largo de Pinheiro de Loures que jantávamos, às
vezes.
(Foto
do Google Earth)
A
zona do pinhal que ocupávamos funcionava como um quartel, com os
serviços habituais, de oficial e sargento de dia, bem como o serviço
de guarda, com sentinelas devidamente distribuídas.
Embora
não fosse permitida a saída do local, a não ser em serviço, um
pequeno grupo, de que faziam parte, pelo menos, o Vaz, o Morais
Soares, o Miranda Dias, o Mourão, eu próprio, e um cabo-miliciano
enfermeiro, de cujo nome não me lembro, e que acabaria por ser
substituído, antes do embarque, pelo Augusto Fernandes (com clara
vantagem para a nossa saúde, embora tivéssemos perdido um compincha
sempre disponível para as farras), resolveu criar um esquema de
exercícios adicionais, que consistia no “desenfianço” diário
(excepto em dias de “trabalho” nocturno), para jantar em
restaurantes, ou tascas, de povoações próximas. O mais frequentado
situava-se em Pinheiro de Loures, mas também íamos a Guerreiros e a
Botica matar a fome.
Guerreiros
(Foto
do Google Earth)
No
percurso para Pinheiro de Loures, tínhamos uma paragem “obrigatória”
na única taberna da aldeia do Tojalinho, onde começávamos a fazer
boca com queijinhos frescos e um copo de vinho da pipa. Este caminho
era também a rota das viaturas do Batalhão, pelo que seguíamos
sempre com atenção redobrada, escondendo-nos de cada vez que, ao
longe, avistávamos faróis, que se fossem de viaturas militares,
traziam com certeza oficiais a bordo.
Numa
parte em que estrada era ladeada por campos – o aumento desenfreado
da construção ainda vinha longe – saltávamos a vegetação e
escondiamo-nos, mesmo sabendo que a maior parte das viaturas eram
civis. Felizmente, nessa época, não havia muita gente com
automóvel, e numa região pobre como era o caso, ainda menos, pelo
que eram raros os carros com que nos cruzávamos.
Em
Pinheiro de Loures jantávamos num pequeno restaurante no largo
principal, e depois, com todo o desplante, pois andávamos fardados
com o camuflado, que podia ser tudo, menos discreto, ainda íamos a
um café situado no mesmo largo, onde jogávamos bilhar, antes de
regressarmos, já a noite ia adiantada.
Mas
desplante ainda maior foi termos ido aos bailes da Sociedade
Filarmónica local, em dois domingos seguidos, onde alguns de nós
deram animadamente ao pé pela noite dentro (nem as botas
atrapalhavam).
Botica
(Foto
do Google Earth)
Guerreiros
e Botica ficavam mais próximo do pinhal e, neste caso, o caminho
fazia-se a corta-mato através dos campos, o que às vezes dava
origem a percalços, um dos quais foi recordado pelo Morais Soares,
numa conversa recente. Caminhávamos numa noite sem luar, de regresso
às tendas, quando o ouvimos soltar uma imprecação irreproduzível
aqui: tinha metido a bota num excremento de boi. Claro que tudo
acabou numa risota pegada.
Conseguimos,
assim, amenizar aquelas três semanas, que pareciam nunca mais
acabar, sem termos sido apanhados (embora eu continue a pensar que um
ou outro dos comandantes de pelotão sabia da marosca).
Terminados
os exercícios, foi altura de o pessoal deitar pés ao caminho, tendo
como destino o Campo de Tiro da Serra da Carregueira, para fazer
exercícios de tiro.
Valendo-me
do facto de, supostamente, conhecer bem a zona – antes da formação
do Batalhão estivera dois meses a dar uma recruta naquele quartel –
ofereci-me para ir no camião da frente (que serviria de guia à
coluna), orientando o condutor que desconhecia por completo aqueles
caminhos, oferta que foi aceite. E, desta vez, escapei à caminhada.
Felizmente as estradas estavam devidamente sinalizadas, pelo que a
minha missão foi coroada de êxito. E ninguém descobriu que eu
nunca tinha passado pela maior parte daqueles caminhos.
No
regresso ao RAL 1, por Belas, Queluz, Amadora e Benfica, não havia
necessidade de guia, pelo que voltei a palmilhar todo o percurso. Era
uma boa forma de manter a linha.
Dois
ou três dias antes do Natal entrámos em gozo de licença de embarque, até ao princípio de 1965.
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